Havana, Cuba, 3/8/2011 – O anúncio do presidente de Cuba, Raúl Castro, de que se trabalha na atualização da política migratória vigente, parece atender a reiterada demanda da população em favor da liberdade de viajar, um direito cerceado há décadas pelo conflito entre este país e os Estados Unidos. Embora não tenha dado detalhes, Castro assegurou que se avança na reformulação e elaboração de um conjunto de medidas reguladoras em matéria de migrações, segundo as condições do presente e do futuro previsível.
O país está no caminho de modificar decisões que tiveram um papel em seu momento e que perduraram desnecessariamente, acrescentou o presidente, que falou ao encerrar, no dia 1º, as sessões da Assembleia Nacional do Poder Popular (parlamento unicameral). Em um discurso gravado transmitido pela televisão estatal Castro também fustigou fortemente a destituição por suas crenças religiosas de uma funcionária militante do governante Partido Comunista de Cuba e analisou como caminha a economia.
“Damos este passo como uma contribuição ao incremento dos vínculos da nação com a comunidade de emigrantes, cuja composição variou radicalmente com relação às décadas iniciais da Revolução, quando os Estados Unidos ampararam os criminosos da ditadura batistiana (de Fulgêncio Batista) e estimularam a fuga de profissionais para prejudicar o país”, ressaltou Castro. Também disse que a maioria dos emigrantes cubanos o são por razões econômicas, embora “uns poucos ainda alegam ser vítimas de perseguição política para conquistar adeptos e ajuda de seus patrocinadores no exterior, ou justificar o abandono de uma missão ou contrato”.
No entanto, esclareceu que a flexibilização da política migratória levará em conta o direito de Cuba se defender “dos planos de ingerência e subversivos” de Washington e seus aliados e também incluirá “contramedidas razoáveis para preservar o capital humano criado pela Revolução frente ao roubo de talentos aplicado pelos poderosos”. A comunidade cubana residente no exterior gira atualmente em torno de 1,7 milhão de pessoas. Segundo o especialista Antonio Ajá, os profissionais representam 12% do total de emigrantes nos últimos cinco anos, “o que coloca Cuba dentro das correntes migratórias atuais de roubo e perda de importante capital humano”.
Em sua opinião, esse fenômeno evidencia que se exporta força de trabalho, mas o processo não é aproveitado em função do país. “A apropriação social de parte do valor gerado pela força de trabalho que emigra de Cuba fica limitada ao movimento de remessas (dinheiro enviado do exterior) e aos impostos aplicados de variadas formas a uma parte importante de seus protagonistas”, afirma Ajá em um ensaio sobre o tema. Segundo analistas, esse e outros argumentos semelhantes aconselham um alívio das regulações que limitam o direito de viajar das pessoas de nacionalidade cubana residentes no país.
Na década de 1990, as autorizações de residência no exterior introduziram um matiz diferente ao caráter definitivo que tinha a emigração desde os anos 1960. Para viajar a título pessoal é imprescindível uma carta trabalhista ou estudantil de não objeção para os que possuem este vínculo e outra de convite procedente do país de destino. Com estes papéis solicita-se a permissão de saída, documento conhecido como caderneta branca. Muitos viajantes se queixam do gasto que os documentos representam.
“No ano passado fui ao Panamá visitar uma amiga. Não sei quanto ela pagou pela carta-convite, mas aqui eu gastei mais de US$ 200 entre passaporte e papelada. E como se isso não bastasse, às vezes não te dão o visto e você fica com uma mala feita”, contou à IPS uma mulher após ouvir o discurso de Castro. O mandatário assegurou que Cuba é o único país do planeta cujos cidadãos podem se assentar e trabalhar nos Estados Unidos sem nenhum visto, com independência da legalidade do modo empregado para conseguir isso, em virtude da Lei de Ajuste Cubano de 1966 e da política chamada de “pés secos e pés molhados” que favorece o tráfico de pessoas e causou numerosas mortes de inocentes.
Um primeiro reconhecimento oficial da necessidade de mudanças em matéria migratória ficou plasmado nas diretrizes da política econômica e social aprovadas em abril passado pelo sexto congresso do PCC. Um dos artigos desse documento prevê o estudo de uma política que facilite viagens ao exterior como turistas para cubanos residentes no país. Por sua vez, uma diretriz de comércio exterior fala de uma estratégia integral para a exportação de serviços, que “contemple uma análise flexível da contratação da força de trabalho individual”. Segundo dados oficiais, cerca de 50 mil profissionais de nacionalidade cubana trabalham em 76 países. Envolverde/IPS