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Baixa participação e desencanto juvenil nas eleições do Egito

Uma zona eleitoral vazia em Cidade Jardim, no Cairo. Foto: Amanda Mostaza
Uma zona eleitoral vazia em Cidade Jardim, no Cairo. Foto: Amanda Mostaza

 

Cairo, Egito, 3/6/2014 – O resultado das eleições gerais no Egito já era conhecido antes de concluído o processo eleitoral, no dia 28 de maio, e por essa razão muitos eleitores não foram votar no Cairo, cujas ruas estavam tão vazias quanto as urnas. O ex-comandante do exército Abdel Fatah al Sisi obteve 96,6% dos votos, seguido de seu único adversário, Hamdeen Sabahi, com 3,4%. A baixa participação eleitoral, de 46,8%, levou as autoridades eleitorais a estender de dois para três dias o período de votação, entre 26 e 28 do mês passado.

Foi a segunda vez em dois anos que os egípcios votaram para presidente, mas a grande abstenção ameaçou afetar a credibilidade de Sisi, o favorito, que pretendia dessa forma mostrar ao mundo que ter deposto o primeiro mandatário eleito por via democrática, Mohamed Morsi, da Irmandade Muçulmana, não foi um golpe militar, mas uma revolução com apoio popular. A Irmandade Muçulmana foi colocada na ilegalidade pelas novas autoridades e Morsi e um grupo de seus colaboradores estão na prisão desde que seu governo, iniciado em junho de 2012, foi derrubado 13 meses depois.

O próprio Sisi aspirava participação de 80% do eleitorado, mas, ao fim dos dois dias previstos, essa meta já era considerada inalcançável. Os observadores calculam que 20% dos eleitores votaram nesse período, embora os organizadores da campanha de Sabahi assegurem que o comparecimento não passou de 15% nas duas jornadas.

Em uma primeira tentativa de impulsionar esses números, as autoridades estenderam a votação do dia 27 em uma hora. E pouco depois a medida foi prorrogada para o dia seguinte até 22 horas. A Comissão Eleitoral Presidencial defendeu a extensão para um terceiro dia como resposta a um alegado pedido dos cidadãos que não puderam votar devido à onda de calor que afeta o Egito. Mas para muitos essa decisão foi uma fraude.

“Foi ridículo”, disse à IPS o arquiteto de 28 anos Omar Amin. “Todos sabíamos que o assunto não era quem venceria as eleições, mas a quantidade de votos. Não tinha sentido prorrogar a votação por mais um dia, apenas para atingir as cifras que tinham em mente”, afirmou. Amin, como muitos outros jovens, decidiu não votar.

Mas a preocupação pela participação do eleitor era evidente antes que começasse a onda de calor no dia 27, como ficou evidente quando as autoridades declararam feriado no segundo dia de votação e tomaram outras medidas para estimular a participação. Os principais centros comerciais tiveram que fechar suas portas horas antes do habitual para garantir que os egípcios não aproveitassem o feriado para ir às compras, em lugar de votar.

A máxima autoridade islâmica do país, Al Azhar, afirmou que não votar seria uma “desobediência à nação”. E o chefe da igreja copta, o papa Tawadros, exortou os eleitores a irem às urnas.

“É um paradoxo utilizar a religião e as autoridades religiosas como forma de mobilizar as pessoas a votarem”, declarou à IPS uma mulher de aparentes 30 anos que não quis se identificar. “Aqueles que lutam contra a Irmandade Muçulmana, chamando-os de terroristas por usarem a religião como um instrumento para ganhar popularidade, agora estão fazendo exatamente o mesmo”, criticou.

Não só as igrejas e mesquitas tentaram convencer as pessoas a votar. A televisão pública e a rádio nacional criticaram sua audiência por não comparecer nos locais de votação. Um apresentador de televisão afirmou que “se deveria dar um tiro em quem não fosse votar, ou que ao menos deveriam atirar em si mesmos”. A propaganda da mídia oficial leal ao governo interino em favor de Sisi não convenceu a todos. “Não vou votar. Inclusive se estivesse em Alexandria onde voto, não faria o esforço. Prefiro me dar um tiro”, declarou Marc Dimitri à IPS durante uma das jornadas de votação, se referindo ao polêmico apresentador.

Dimitri é estudante de direito de 23 anos, original de Alexandria mas residente no Cairo, que não acredita que o futuro do Egito esteja nas mãos da classe política atual. “Quem vai ser nosso presidente, agora ou nos próximos anos, não poderá fazer mudanças”, opinou. “A mudança real está nas mãos dos jovens. Somos nós que lutamos por um Egito melhor, mas precisamos de tempo. Quando tivermos idade para governar o país, o faremos de maneira diferente”, garantiu.

Ahmed Mohamed Seif, de 24 anos, concorda com Dimitri, seu companheiro de estudos. “Temos um poder judiciário incrivelmente forte, baseado no sistema francês. O problema no Egito não é o esqueleto das instituições, mas a parte executiva. O Egito é corrupto. É isso que precisa mudar, e só uma nova geração pode fazê-lo”, pontuou.

A juventude se manteve majoritariamente alheia às urnas. Em uma seção eleitoral exclusiva para mulheres, no distrito de Cidade Jardim, no Cairo, todas as que faziam fila eram maiores de 40 anos. Foi nesse setor que consideraram que seu voto era útil. “Sisi vencerá. É nosso herói, o amo”, gritou a professora de química Malak Mehdi. “Entende o povo egípcio, conhece nossas necessidades. Sabahi não é ninguém. Sisi assegurará a estabilidade do Egito”, ressaltou.

A multidão feminina se manifestava a favor de Sisi enquanto dos alto-falantes do centro de votação saíam canções patrióticas. “Sisi é um homem forte com mão forte, e é disso que o Egito precisa. Ele nos livrou do terrorismo e continuará nos protegendo”, afirmou Maya Husein, uma mulher de 52 anos. A máquina de propaganda que adulou Sisi nos últimos meses parece ter funcionado para muitos que votaram nele, em sua maioria mulheres que o adoram e o veem como salvador da pátria.

Mas, a umas poucas ruas de distância, vários amigos se reuniram para tomar chá em uma cafeteria, em lugar de ir votar, e, como Dimitri e Seif, questionaram a capacidade de Sisi para governar o país. “Sua campanha se centrou totalmente na guerra contra o terrorismo, não falou do futuro. Mas o que acontece? O que fará quando os islâmicos estiverem todos na prisão ou mortos?”, questionou Nader Abdelrahmen, de 31 anos.

“Há um ano nos disseram que se encontraria os responsáveis pelas centenas de mortes durante a dispersão” de uma manifestação a favor de Morsi realizada na praça Al Rabaa, no Cairo, em agosto de 2013, recordou Ammar Abu Bakr, destacado artista do grafite e ativista de 33 anos.

“Hoje vemos que todos os líderes da Irmandade Muçulmana e seus membros estão detidos ou mesmo condenados à morte. Já ninguém fala dos massacres. E nós somos os próximos, já começaram a nos ameaçar. Isso é justiça? É assim que governará o Egito?”, queixou-se Bakr. “Meu boicote não significa estar de acordo com a Irmandade Muçulmana. Meu boicote se deve a eu estar contra o fracasso desse sistema. Nesse momento não há nenhuma opção adequada para essa geração”, destacou.

A Irmandade Muçulmana defendeu o boicote às eleições, e a maioria de seus seguidores acatou a ordem. Mas, ao que parece, há outros motivos que explicam a baixa participação, que foi além de todas as expectativas e que não melhorou com um terceiro dia para votar. Os triunfadores das eleições foram os abstencionistas. Sisi terminou em segundo lugar. Apesar do calor, o ex-comandante supremo das forças armadas é o novo líder do Egito. Envolverde/IPS