Nova York, Estados Unidos, 13/5/2011 – O Afeganistão, país antes considerado o cemitério dos impérios, liderou a lista das nações com “mais significativo aumento” de mortes civis no ano passado, incluída em um informe divulgado ontem pela organização Minority Rights Group International (MRG). O trabalho anual, intitulado “Povos sob Ameaça”, diz que as baixas de civis no Afeganistão aumentaram nos últimos cinco anos. “A contínua debilidade do governo central, a desunião interna e a corrupção sistêmica contribuem para um mau presságio”, acrescenta.
Segundo o estudo, o número deste ano superará as três mil mortes de civis de 2010. Mark Lattimer, diretor-executivo da MRG, grupo que trabalha pelos direitos das minorias, disse à IPS que o movimento islâmico Talibã e outras forças antigovernamentais são responsáveis por 75% dessas mortes. Segundo a Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (Unama), pelo menos 440 mortes civis foram responsabilidade das forças que apoiam o governo do presidente Hamid Karzai, incluindo as dos Estados Unidos e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Mais de 170 pessoas morreram em ataques aéreos, acrescentou.
Ao falar no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), a subsecretária-geral para Assuntos Humanitários, Valerie Amos, apresentou um número maior de mortos e feridos civis. Afirmou que sete mil pessoas morreram e ficaram feridas nesse país da Ásia Central no ano passado, aumento de 19% em relação a 2009. Forças antigovernamentais seriam responsáveis por mais de cinco mil vítimas, enquanto artefatos explosivos improvisados e atentados suicidas em áreas civis continuam causando um grande número de mortos e feridos. O anúncio do talibã, na semana passada, de que iniciaria nova ofensiva, “causa grande preocupação”, disse Valerie ao Conselho de Segurança.
O estudo da MRG também analisa vários outros países onde aumentou o número de baixas civis, como Costa do Marfim, Iêmen, Quirguistão e Líbia. Amos afirmou estar consternada pelo nível de violência contra civis no Bahrein, Iêmen e, mais recentemente, Síria, bem como pela perda de vidas e violações dos direitos humanos. Outros países onde a população civil também se vê atacada são Somália, República Democrática do Congo, Sudão, Colômbia, República Centro-Africana e Sri Lanka, onde 40 mil civis “morreram nas etapas finais de conflito”, em maio de 2009. “Algumas destas violações equivalem a crimes de guerra e crimes contra a humanidade, e o direito internacional exige que tais denúncias sejam devidamente investigadas”, acrescentou Valerie.
Por outro lado, consultado sobre quantas mortes de civis são investigados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, Mark disse que o promotor dessa corte, Luis Moreno-Ocampo, abriu investigação sobre os crimes cometidos na Líbia, depois que recebeu o caso enviado pelo Conselho de Segurança da ONU em fevereiro. “Isto pode fazer com que altos membros do governo líbio sejam julgados em Haia”, disse à IPS. Ocampo-Moreno realiza investigações preliminares de mortes na Costa do Marfim e no Afeganistão.
Embora o Afeganistão tenha ratificado o Estatuto de Roma, pelo qual foi criado o TPI para julgamento de genocídios e crimes de guerra, Mark afirmou que os Estados Unidos ainda resistem em ceder jurisdição a esse tribunal sobre suas forças militares. “Vemos que o TPI participa cada vez de mais casos, e vemos a ameaça de um processo penal sobre uma ampla gama de líderes”, destacou. No entanto, ressaltou que as possibilidades reais destes processos dependem fortemente de fatores políticos, como se os países ratificam, ou não, o Estatuto de Roma ou a disposição do Conselho de Segurança para enviar casos ao tribunal.
Valerie disse que o ataque deliberado a civis e outras violações do direito humanitário internacional no contexto de hostilidades têm como resultado centenas de pessoas mortas, feridas ou traumatizadas a cada semana. “O fracasso inicial para respeitar a lei é quase sempre precursor da violência, causando sofrimento e traumas nos civis, incluindo o deslocamento maciço dentro e fora das fronteiras nacionais. Presenciamos uma série sem precedentes de crises em várias partes do Oriente Médio, bem como na África do Norte e subsaariana”, acrescentou a subsecretária.
A MRG diz em seu relatório que a morte do líder da Al Qaeda, Osama bin Laden, não incidiria nem no aumento das insurgências locais nem na capacidade do Talibã para realizar operações em Cabul ou em outras importantes cidades. “E qualquer agravamento do conflito, ou qualquer real reordenamento do poder, em Cabul, trará o risco de um derramamento de sangue em grande escala em um país que pode se dividir entre o Sul, dominado pelos pashtun, reduto do Talibã, e os domínios tajakos-uzbekos da antiga Aliança do Norte”, disse Mark.
Valerie alertou o Conselho de Segurança que, quando se trata de proteger civis num contexto de hostilidades, “o panorama é cruel, e continuará assim diante da falta de esforços determinados das partes em conflito de respeitar a lei”. Envolverde/IPS