Belgrado, Sérvia, 6/8/2013 – Este Ramadã, mês sagrado muçulmano, marca uma diferença para algumas famílias dos Bálcãs. É a primeira vez que o passam sem seus filhos, maridos ou irmãos, que morreram longe de casa, combatendo na Síria. Muaz Sabic, de 41 anos, morreu perto da cidade síria de Aleppo há dois meses. Sua família, que vive na pequena aldeia de Puhovac, perto da localidade bósnia de Zenica, ficou sabendo há pouco tempo.
Pelo que sabem, Muaz integrava uma unidade de jovens muçulmanos de diferentes países que entraram na Síria para combater o regime do presidente Bashar al Assad. “Foi sua escolha”, disse Ilijas Sabic, irmão de Muaz, em conversa por telefone com a IPS. “Ele era agricultor, vivia na aldeia com nossa mãe e elaborava mel. Não quero falar mais dele… se abusou de tudo o que disse alguma vez aos jornalistas”, acrescentou. Em entrevistas anteriores a veículos de comunicação bósnios, Ilijas disse que seu irmão partira de Sarajevo para Istambul em março. Muaz viajou com dois homens jovens, de Zenica e a vizinha Kakanj.
Segundo os informes locais, Muaz é um dos 52 bósnios muçulmanos salafistas que foram para a Síria. Os voluntários da Bósnia-Herzegovina se reuniram na localidade turca de Antióquia e cruzaram ilegalmente a fronteira para a Síria, na passagem de Bab el Hawa. Acredita-se que há mais de 300 muçulmanos dos Bálcãs combatendo na Síria, procedentes de Albânia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro e Sérvia. Os voluntários voltarão a se reunir na localidade síria de Sarmada, onde são treinados para unirem-se ao Exército Livre Sírio.
A maioria deles integra a unidade Al-Nusra, rotulada por Estados Unidos, Organização das Nações Unidas (ONU) e Grã-Bretanha como organização terrorista vinculada à rede Al Qaeda. Os combatentes são salafistas. O salafismo é um movimento dentro do Islã sunita que exige um regresso aos valores originais da fé. Aspira despojar a vida muçulmana moderna de toda influência de modelos e princípios ocidentais. Os bósnios muçulmanos são sunitas. Muitos reinventaram sua religião depois da guerra de 1992-1995, na qual morreram mais de cem mil pessoas, na maioria muçulmanas. Este retorno ao Islã contou com o forte apoio de organizações humanitárias de países árabes, particularmente da Arábia Saudita, onde predomina o wahhabismo, estreitamente vinculado ao salafismo.
Segundo um ex-alto funcionário da Agência Estatal de Investigação e Proteção (Sipa) da Bósnia-Herzegovina, Bajro Ikanovic, de 37 anos, está entre os que levaram bósnios muçulmanos à Síria. Em 2007, um tribunal de Sarajevo o condenou a oito anos de prisão por acusações de terrorismo. Descobriu-se que sua casa em Hadzici, perto de Sarajevo, era um depósito de explosivos. Durante seu julgamento, extremistas muçulmanos de aspecto caucasiano envolvidos em práticas terroristas foram apelidados de “a Al Qaeda branca”. Ikanovic foi libertado depois de quatro anos e começou a organizar voluntários para lutar na Síria.
Em entrevista ao site religioso www.putvjernika.com, Ikanovic disse: “A diferença entre nós e outros revolucionários é que estamos firmemente convencidos de ser correto o Islã como única via real e única maneira de a humanidade voltar à normalidade. Não me importa em nada em que se convertem meus filhos; nos os deixamos à lei de Alá e estaremos orgulhosos de nossas obras e de nossas vidas tal como as vivemos”.
Muaz Sabic não foi a única vítima dos Bálcãs na Síria. Dois jovens da localidade Sérvia de Novi Pazar morreram em maio em solo sírio. Suas mortes foram elogiadas no site local www.sandzakhaber.net. Conhecidos por seus nomes de guerra Abu Bera e Abu Merdia, Eldar Kundakovic e Adis Salihovic morreram no esforço para libertar presos da prisão de Al-Safira, perto de Aleppo.
“A guerra na Bósnia-Hezegovina abriu as portas para a reinvenção do Islã; combatentes da jihad que chegaram aqui para lutar junto com seus irmãos muçulmanos contra os sérvios ou croatas trouxeram sua ideologia, seus costumes e entusiasmo. Para alguns jovens isso foi uma revelação, uma espécie de elo perdido que se revelava. Porém, nunca houve suficiente evidência de que isto levasse a uma escala maciça”, disse à IPS o funcionário da Sipa.
No entanto, alguns habitantes de Sarajevo veem a mudança mais fundamental. “Não é nenhum segredo que se paga para as pessoas irem lutar na Síria e em outras fontes”, disse à IPS um morador local. “As mesquitas são lugares onde as pessoas se reúnem mais do que antes. Ouvem os imãs pedindo solidariedade, explicando os sofrimentos de outros muçulmanos na Síria e em todo o mundo. Para quem quase não ganha dinheiro, já que o desemprego chega a quase 45% aqui, é uma oportunidade de conseguir algo”, acrescentou. A renda mensal para os jihadistas paga por meio de organizações disfarçadas de “agências humanitárias” pode ser de US$ 600. “Isso não é muito nestas circunstâncias?”, perguntou o morador. Envolverde/IPS