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Ban Ki-moon se amolda ao roteiro de Washington para o Egito

Secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon. Foto: UN Photo/Rick Bajornas
Secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon. Foto: UN Photo/Rick Bajornas

 

Nações Unidas, 15/8/2013 – O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, continua se negando a qualificar de golpe militar a derrubada do governo democrático no Egito, mas se voltou contra suas forças de segurança pelo massacre de civis cometido ontem nas ruas do Cairo. Ban condenou “nos termos mais firmes” a violência que começou quando soldados egípcios usaram a força para acabar com as manifestações na capital egípcia.

“Embora a ONU ainda esteja reunindo informação precisa sobre os acontecimentos de hoje, parece que centenas de pessoas morreram ou ficaram feridas em choques entre forças de segurança e manifestantes”, afirmou Ban em um comunicado. Perguntado pela IPS sobre a negativa do secretário-geral em qualificar de golpe o ocorrido no começo do mês passado, o porta-voz associado da ONU, Farhan Haq, respondeu: “Sem comentários. Creio que a linguagem do comunicado fala por si só”.

Notícias procedentes do Cairo indicam que chega a 149 o número de mortos, enquanto os feridos somariam mais de 1.400. O vice-presidente, Mohammad ElBaradei, ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica e ganhador do prêmio Nobel da Paz, apresentou sua renúncia. “A desgraça caiu sobre o Egito”, disse à IPS o editor do Middle East Report, Chris Toensing. A agonia do Egito é para benefício do exército, da polícia secreta e outros elementos do “Estado profundo”, acrescentou.

Nos últimos dois anos, com a voluntariosa cooperação de meios de comunicação estatais e privados, estes atores se apresentaram diante da população com os salvadores da pátria, afirmou Toensing. “O massacre de hoje, lamentavelmente, vai cimentar essa imagem no futuro imediato”, ressaltou.

Segundo Toensing, “é o truque mais repugnante do manual do autocrata. Gritar ‘quando partirmos, virá o dilúvio’, em seguida desaparecer do cenário público e esperar o dilúvio para regressar montado em um cavalo branco”, lamentou o analista. “E, para vergonha dos Estados Unidos, isto prova que seu único aliado no Egito é o exército, como tem sido desde os acordos de Camp David (1978), ou mesmo antes”.

Os tímidos apelos à moderação de Estados Unidos, Europa e ONU recordam o mesmo tipo de atitude cada vez que Israel monta um assalto contra os territórios ocupados, acrescentou Toensing. Os Estados Unidos foram o promotor do acordo de paz entre Israel e Egito, assinado em 1979, após os acordos de Camp David, e entregou milhares de milhões de dólares em ajuda militar e econômica aos dois países.

Segundo disse à IPS um diplomata árabe, Ban parece estar acatando a diretriz oficial de Washington, segundo a qual a derrubada do primeiro presidente democraticamente eleito do Egito, Mohammad Morsi, foi uma tentativa de “restaurar a democracia”. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, disse na semana passada à imprensa que “milhões e milhões de pessoas pediram aos militares que interviessem. Segundo nosso real saber e entender, o exército não tomou o poder, ao menos até agora”.

Se o governo de Barack Obama tivesse definido o ocorrido como um golpe de Estado, estaria obrigado por lei a cortar toda assistência ao Egito. Trata-se de uma quantia que passa de US$ 1,5 bilhão por ano. Washington teme que uma medida tão drástica desestabilize ainda mais o país, já afundado em uma crise política.

Para o acadêmico Toby C. Jones, professor associado do departamento de história da Rutgers University, Washington mantém uma postura “hipócrita”. Jones disse à IPS que “os Estados Unidos colocam sua relação com o Egito no contexto de seus interesses estratégicos e de segurança, dessa forma são os militares que importam, não os direitos humanos ou a democracia”. O governo de Obama tem precisamente o que deseja ter no poder no Egito, ressaltou o acadêmico.

“As autoridades norte-americanas prefeririam que os egípcios se conduzissem melhor e evitassem o tipo de violência que estamos vivendo, mas não se preocupam o bastante para emitir uma dura condenação ou para considerar alternativas políticas”, pontuou Jones, doutor em história do Oriente Médio da Stanford University.

Perguntado se o Conselho de Segurança da ONU estudaria uma proposta de intervenção no Egito, o porta-voz adjunto das Nações Unidas, Eduardo del Buey, disse ontem aos jornalistas que essa é uma decisão dos membros desse órgão. “O secretário-geral não opinará a respeito”, afirmou.

Em seu pronunciamento, Ban Ki-moon recordou que há alguns dias havia reiterado seu pedido a todas as partes para reconsiderarem suas ações à luz das novas realidades políticas e do imperativo de evitar mais perdas de vidas. O secretário-geral disse lamentar que as autoridades egípcias tenham escolhido a força para responder às manifestações de seguidores do deposto Morsi e enviou suas condolências às famílias dos mortos e seus desejos de pronta recuperação a todos os feridos.

Ban também disse que a vasta maioria do povo egípcio, cansada das alterações provocadas pelas manifestações de uns e outros, deseja que o país siga em frente em paz em um processo conduzido pelos próprios egípcios rumo à prosperidade e à democracia. o secretário-geral pediu a todos os cidadãos que dediquem seus esforços à promoção de uma reconciliação realmente inclusiva.

Apesar de admitir que o relógio da político não volta atrás, Ban afirmou também que com a rica história e a diversidade de pontos de vista que o Egito tem, não é raro que seus cidadãos discordem sobre o caminho a seguir. Mas o importante é que as opiniões sejam expressas com respeito e em paz, acrescentou. Não foi isto, claro, que ocorreu ontem. Envolverde/IPS