Intenção de implantar rapidamente rede nacional é positiva. Mas há concessões demais a empresas privadas e falta garantia de universalização.
O ano começou agitado para quem se interessa pelo debate de ampliação do acesso à internet. O Ministério das Comunicações acelerou a implantação do Plano Nacional de Banda Larga. Junto com a Anatel, o Ministério também discute a terceira versão do Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) e consequentes mudanças nos contratos das empresas de telefonia fixa, que devem ser revistos até 30 de junho. Por sua vez, o Congresso Nacional discute mudanças na lei do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST).
Infelizmente, tamanho agito não se reflete necessariamente em boas notícias para aqueles preocupados com o interesse público. Em todas essas iniciativas, estão sendo tomadas decisões silenciosas que reorganizam o setor e derrubam pilares que sustentam o aspecto de serviço público nas telecomunicações. Acende-se a luz amarela e é hora de soar o alarme.
As boas e as más notícias
O acesso à banda larga no Brasil é caro, ruim e para poucos. Com isso concordam o Ministério das Comunicações e a Anatel. Frente a esse cenário e à inação da gestão anterior do Ministério, cerca de um ano e meio atrás, o gerenciamento das políticas de ampliação da banda larga e inclusão digital foi deslocado para o núcleo central do governo federal, e em maio de 2010 foi lançado o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Com a mudança de governo, mudou também a gestão do Ministério das Comunicações, que voltou a ser o centro formulador e implementador dessas políticas e do PNBL.
Na virada do ano, as notícias indicavam disposição do governo para enfrentar os interesses particulares das concessionárias de telecomunicações, principais responsáveis pelo quadro do acesso à internet no Brasil. De fato, o PNBL congrega propostas importantes em diferentes frentes (medidas regulatórias, políticas de investimento em infraestrutura, incentivos fiscais e tributários, fortalecimento de tecnologia nacional, etc.), e sua implementação tem sido tratada com a urgência necessária.
O problema surgiu na negociação com as empresas concessionárias de telefonia fixa – Oi, Telefônica e Embratel. Depois de elas entrarem com processos contra o governo e a Telebrás, inclusive no Supremo Tribunal Federal, e questionarem as propostas iniciais do PGMU-III, o quadro mudou, e os resultados da negociação com o governo e a Anatel podem levar aos seguintes resultados negativos:
espectro gratuito – deve ser cedida, sem licitação e sem ônus, a faixa de 450-470 MHz para as operadoras de telefonia fixa cumprirem as metas da telefonia rural. Esta faixa é capaz de suportar múltiplos acessos em banda larga e interessa à Telebrás por possibilitar melhores condições de promoção da inclusão digital. Numa doação de espectro por parte do Estado, as empresas ganharão esta faixa sem que se respeite a obrigatoriedade de licitação para a transferência de bens e recursos públicos.
obrigações privadas com dinheiro público – hoje as empresas devem pagar, a cada dois anos, 2% de sua receita operacional líquida como forma de pagamento pela concessão. A Anatel considera a possibilidade de os custos necessários para o cumprimento das obrigações de universalização previstas no novo PGMU serem descontadas desse valor.
sem obrigações de backhaul – backhauls são as ligações de internet das grandes redes para os municípios, a partir dos quais se distribui o sinal para as redes que chegam para prover banda larga nas residências. Na versão anterior do PGMU-III, havia obrigações de as operadoras de telecomunicações instalarem backhauls em todas as localidades com mais de mil habitantes. Naquele momento, houve críticas da sociedade civil a esta medida pela inclusão de metas de internet no plano de telefonia fixa, o que é proibido por lei e levaria ao subsídio cruzado entre os serviços, com o custeamento da banda larga pela telefonia fixa, quando o correto seria prever metas de universalização específicas para internet. De outro lado, houve críticas das empresas, que não queriam arcar com o investimento. Provavelmente não haverá qualquer menção a essa obrigação na versão final, mas também não está prevista a definição de metas próprias para a banda larga. Em resumo, prevaleceu a posição das empresas.
sem concorrência da Telebrás no varejo – o decreto de criação da Telebrás dizia que ela iria atuar na oferta direta ao usuário final onde inexistisse oferta ‘adequada’ pelas operadoras privadas. Agora, o governo federal diz que espera que as operadoras privadas deem conta dessa tarefa e que, em princípio, a Telebrás só vai atuar no atacado.
sem serviço público – a banda larga segue sendo tratada como serviço prestado apenas em regime privado, sem obrigações de universalização, sem controle de tarifas e sem uma série de garantias típicas de serviço público.
A fundo perdido
Não bastassem todos esses pontos, o Congresso Nacional está em vias de aprovar um projeto de lei que modifica a lei do FUST, permitindo que o Fundo possa ser utilizado não apenas para universalização, mas para qualquer investimento em serviços de telecomunicações, prestados em regime público ou privado. Aquilo que pode parecer uma boa notícia pode se configurar, na verdade, em uma gigantesca doação de recursos públicos para as empresas privadas expandirem seu patrimônio. Isso porque as contrapartidas exigidas ficam totalmente em aberto, não sendo nem mesmo obrigatórias na versão atual do projeto. Além disso, não há reversibilidade dos bens adquiridos com o dinheiro do FUST, ou seja, as empresas ficarão eternamente de posse de todos os bens adquiridos com esse recurso público, mesmo que deixem de prestar o serviço.
Se todos concordamos que é urgente ampliar o acesso à banda larga no país, a reivindicação é que isto se faça por meio do reconhecimento da internet como um serviço essencial, a ser prestado em regime público. Com isto, a lei do FUST permaneceria como está, impedindo mudança que resulte em transferência da renda dos consumidores às empresas de telecomunicações, já bastante beneficiadas. Mais do que ampliado, o acesso à banda larga deve ser universalizado, o que o PNBL não estabelece nem como meta. De toda forma, nem mesmo o desafio da massificação pode ser enfrentado sem que haja um papel ativo do Estado – não apenas como gerente ou fiscal das políticas, mas como agente econômico e executor do serviço.
Os fatos demonstram a necessidade de se voltar os olhos com urgência às políticas de acesso à banda larga no país. Este serviço é essencial e é dever do Estado garantir sua universalização, com políticas pautadas no interesse público. A Campanha Banda Larga é um Direito Seu!, uma ação pela internet barata, de qualidade e para todos, defende o acesso à internet em banda larga como direito fundamental e se organiza para pressionar por seu reconhecimento nestes termos. Para debater esses assuntos e lançar publicamente a Campanha foram realizadas atividades em várias cidades na noite do dia 25 de abril (mais informações no site campanhabandalarga.org.br). É preciso que organizações da sociedade civil e movimentos sociais estejam atentos e mobilizados, e que sejam entendidas como interlocutoras neste debate, da mesma forma que são os representantes de concessionárias e provedores.
* Outras entidades e pessoas assinam o documento a relação completa está em http://campanhabandalarga.org.br
** Publicado pela campanha Banda Larga é um Direito Seu e retirado do site Outras Palavras.