Jamalpur, Bangladesh, 9/2/2015 – Shanta tem apenas quatro anos, mas já se encanta com a escola. Todas as manhãs, sua mãe a leva ao centro pré-escolar perto de sua casa na aldeia de Mohonpur, a 140 quilômetros da capital de Bangladesh, e a deixa aos cuidados de uma jovem professora que organiza as atividades.
Mosammet Laily Begum, mãe de Shanta, se dedica às tarefas domésticas em sua casa. Ela e o marido, que dirige um riquixá (triciclo para transporte de passageiros) e ganha o equivalente a US$ 100 por mês, vivem em uma choça com teto de palha. A família cultiva verduras para melhorar sua renda e consegue apenas alimentar e vestir seus três filhos. A educação é um luxo que, em outro momento e lugar, teriam que ter renunciado para cobrir suas as necessidades vitais.
Mas a pré-escola que fica perto de sua casa é gratuita. Os irmãos mais velhos de Shanta (nome fictício) também ocuparam as mesmas salas. Ali aprenderam a ler e escrever em inglês e bengali. Foram muito bem na escola primária. Sua mãe atribui o amor pelo estudo à base que obtiveram nesta aldeia do município de Jamalpur.
É uma família de sorte; ao contrário da maioria da população rural de Bangladesh que não tem possibilidades de ir a uma pré-escola, eles vivem perto de uma das milhares de escolas da organização Brac, que se dedica à educação de crianças entre três e cinco anos.
Há cerca de 3,3 milhões de meninas, meninos e adolescentes que não frequentem a escola em Bangladesh. Até 2012, o governo não oferecia alternativas a famílias como a de Shanta, sem recursos para custear o ensino pré-escolar. Isso significa que cerca de 45 milhões de bengalis que subsistem com menos de US$ 1,25 por dia só conseguem preparar seus filhos para o ensino básico.
Isso gera um círculo vicioso: as crianças mais pobres que não puderam se preparar para o primário ficam atrasadas em relação aos seus companheiros mais privilegiados. Esta desigualdade se perpetua no ensino secundário e terciário. Muitos dos jovens mais desfavorecidos constituem o grosso das pessoas desempregadas em Bangladesh, que representam 4,5% dos 168 milhões de habitantes.
Para nivelar um pouco a situação, a Brac tem 12.450 pré-escolas no país, onde são educados cerca de 360 mil meninos e meninas a cada ano. Seu Programa de Educação Pré-Escolar é a maior iniciativa gratuita para esse setor da população nesse país. No total são cerca de 5,2 milhões de meninas e meninos em idade pré-escolar que se beneficiaram do programa desde seu início, em 1997.
Parada em meio ao pequeno barracão de zinco que funciona como sala de aula, Rowshanara Begum, de 27 anos, está em sua sala. Tem um grupo de 30 alunos, 18 meninas e 12 meninos, e sabe que seu trabalho marca uma diferença. Uma das prioridades da Brac é conseguir 50% de matrículas de meninas. Durante duas horas e meia por dia, seis dias na semana, a professora cuida com carinho de ensinar o alfabeto ajudando com desenhos, rimas e brincadeiras. A estrutura flexível e informal faz com que as famílias continuem levando seus filhos.
“Há grande pressão dos pais para que seja aberta outra pré-escola gratuita na aldeia de Mohnpur”, contou Begum à IPS. As escolas gratuitas não são uma iniciativa menor em um país onde um estudante médio demora 8,6 anos para terminar o ciclo primário de cinco anos. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) atribui a situação aos baixos padrões do ensino público e ao fato de 24% das professoras das escolas estatais ou registradas pelo governo não terem capacitação.
Um trabalhador da Brac que não quis se identificar afirmou que a organização obteve um êxito “notável” na transição dos pré-escolares para a escola primária, cerca de 99,14%. E, no entanto, não é mais do que metade da batalha ganha.
Bangladesh conseguiu grandes progressos em matéria de educação nas últimas duas décadas. Atualmente, tem um dos maiores sistemas de ensino primário do mundo, com cerca de 20 milhões de alunos entre seis e dez anos, e aproximadamente 365 mil educadores em 82 mil escolas. Desde 1990, aumentou a matrícula de 72% para 97% e sua taxa de conclusão do curso passou de 40% para 79%. O número de escolas primárias que recebem livros de textos gratuitos aumentou de 32%, em 2010, para mais de 90%, em 2014.
Segundo a diretora-executiva da Campanha para a Educação Popular, Rasheda K. Choudhury, uma rede integrada por mil organizações que trabalham em educação, Bangladesh também reduziu a taxa de deserção escolar de 33%, há alguns anos, para 20%, no ano passado. “A melhor capacitação profissional, menor proporção entre estudantes e professores (atualmente 49 para um, menos do que 77 para 1, em 2005), e a entrega de um pagamento para os alunos são algumas das razões dos progressos”, pontuou à IPS.
Mas ainda restam assuntos a resolver. Numerosos especialistas concordam que, para melhorar a situação, é preciso aumentar os recursos para a educação, dos atuais 2,5% do produto interno bruto para 4%. Também é necessário melhorar o acesso à educação para 71% das pessoas que vivem nas zonas rurais, bem como nas comunidades indígenas. Segundo o diretor do Banco Mundial no país, Johannes Zutt, o governo atende aos que ficaram fora da reforma educacional, “incluindo os que residem em bairros pobres, menores trabalhadores, indígenas e outros com deficiências”.
Mas, enquanto programas como o da Brac não forem implantados em grande escala em todo o território, Bangladesh manterá um rendimento desigual em matéria educacional, e a meta de conseguir a educação primária universal, o segundo dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), continuará sendo inalcançável. Envolverde/IPS