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“Banmujer as incorpora aos benefícios do desenvolvimento”

Nora Castañeda, diante de um cartaz com os lemas do Banmujer. Foto: Raúl Límaco/IPS

Caracas, Venezuela, 6/8/2012 – “Nossa razão de ser é a incorporação das mulheres ao desenvolvimento, e mais, aos seus benefícios”, explicou à IPS a economista Nora Castañeda, que está à frente do Banmujer (Banmulher) da Venezuela desde sua criação, em 2001. Nora, que se define socialista e feminista, dedica sua vida à defesa dos direitos das mulheres. E nessa tarefa contínua, no Banco de Desenvolvimento da Mulher (Banmujer), que qualifica de “banco diferente” entre as instituições de microcrédito no mundo.

Em seu extenso currículo, destaca-se o fato de ser fundadora do Centro de Estudos da Mulher na pública Universidade Central da Venezuela e coordenadora das organizações não governamentais locais junto à quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1995, em Pequim. O Banmujer, único de seu tipo no mundo por seu caráter público, destinado à mulher e com seus serviços totalmente gratuitos, concedeu 150 mil créditos de pequena escala, totalizando US$ 11,7 milhões. Este é um resumo da entrevista.

IPS: O que caracteriza o Banmujer como instituição de microcrédito?

Nora Castañeda: Há vários tipos de entidades de microfinanças, mas o Banmujer é diferente de todas, porque nossa razão de ser não são os ganhos financeiros. É isso e algo mais importante: a incorporação das mulheres ao desenvolvimento e, mais ainda, aos benefícios do desenvolvimento. E isto não se consegue apenas com microcréditos.

IPS: Como surgiu a ideia?

NC: O caminho para Pequim e a conferência foram o ponto de partida. Ali as organizações de mulheres concluíram que se algo estava em questionamento eram os direitos econômicos das mulheres e que sem eles não havia direitos humanos. Se a base econômica da sociedade não muda para as mulheres, especialmente para as mais pobres entre elas, não há empoderamento e as leis de paridade ficam no papel.

IPS: O microcrédito, então, é um meio?

NC: Efetivamente. O banco não é uma entidade apenas para dar microcréditos. Se assim fosse, estaríamos apenas reproduzindo a tripla jornada de trabalho das mulheres (casa, atividade profissional, comunidade), embora apenas um seja remunerado, e mal remunerado. Incorporar as mulheres aos benefícios da economia passa não apenas pelo microcrédito, mas por elevar nossa qualidade de vida, mediante o desenvolvimento da solidariedade familiar, do trabalho, da honestidade e do compartilhar. Começamos a trabalhar por aí, com uma aprendizagem muito coletiva, muito de nossa América, muito Sul-Sul. Tivemos que ir aprendendo e desaprendendo ao mesmo tempo. Há valores que são antivalores e era preciso pensar diferente, com risco de sermos vistas como atrasadas, complexadas ou marginalizadas.

IPS: Um exemplo do que tiveram que desaprender?

NC: Tivemos que desaprender o que é um banco, pois nos diziam que é uma instituição financeira cujo objetivo é obter rentabilidade. Debatemos muito o modelo e decidimos que deveríamos priorizar e nos focar nas mais pobres e atender a feminização da pobreza.

IPS: Qual modelo gerou esse processo?

NC: O modelo solidário, baseado na cooperação e na ajuda mútua. O modelo pelo qual quem gerencia e administra é servidor e servidora pública de outros. Não foi fácil, tivemos falhas, nem sempre eram compreendidas as propostas, nem sempre funcionamos como pensamos. É um caminho novo e há testes e erros na prática. E existe a variável tempo, tão importante, são processos lentos e custa adaptar-se a eles e compreendê-los.

IPS: Como as mulheres chegam ao banco?

NC: Decidimos que seria o banco que iria até elas. Criamos equipes, pequenas, em cada Estado, de mulheres locais, com uma responsável. Estabelecemos alianças estratégicas com as comunidades organizadas, com outras instâncias do Estado, com organizações de mulheres e as igrejas. Vamos às comunidades, oferecemos apoio, pedimos um plano de trabalho e, antes de tudo, formação. Todas devem assistir pelo menos a três painéis, porque podem receber dinheiro e não ter êxito em seu projeto por razões derivadas de sua condição de pobreza. A pobreza não se combate à força de dinheiro. Para superá-la é preciso apoiar-se em organizações baseadas na solidariedade, que pode ser a própria família. Pode haver homens, desde que a coordenadora seja mulher e eles sejam minoria. Mas, ainda assim acontece de eles imporem e elas aceitarem, porque é o dominante.

IPS: O que pretende com a formação?

NC: Buscamos converter as mulheres em economistas populares, que elas façam perguntas como as da universidade: o que produzir, como, onde, quando e para quem, com o guia de um diálogo de saberes, que todas temos ainda sem sistematizar. Também substituímos a análise de mercado por um diagnóstico comunitário participativo, sobre as necessidades de seu bairro ou de sua comunidade, ou fazemos uma análise de custos, que as incorpore como trabalhadoras e fixe um lucro adequado. O objetivo é que o povo seja economista, pois é uma coisa muito séria para deixá-la apenas com os economistas. Além disso, existe um acompanhamento, um apoio técnico e tudo é gratuito. Isto também nos faz diferentes.

IPS: Quantas pessoas o Banmujer beneficiou?

NC: Diretamente cerca de 150 mil pessoas, 10% delas homens. Por trás dessas pessoas há uma unidade familiar de cinco pessoas, em média.

IPS: Como funciona a concessão do crédito?

NC: Manejamos 467 milhões de bolívares (US$ 11,7 milhões) em 11 anos. O apoio que lhes é dado tem frutos permanentes. Concedemos 150 mil créditos. Mas favorecemos de maneira indireta outro grande número de mulheres, que criam um modelo de atuação em seu entorno. Os painéis têm essa intenção. Nossa missão é aprendermos e nos reconhecermos como um valor positivo que merece ser imitado. O microcrédito é um instrumento e o que transversaliza tudo é uma mudança de valores. Propusemos ao presidente (Hugo Chávez): o microcrédito é uma desculpa para chegar às mulheres e com elas, e a partir delas e para elas, nos organizarmos como povo. E ele me disse: de acordo, mas dê o crédito (risos). No caminho decidimos priorizar a agricultura, incluindo a urbana e periurbana, para atender dois fenômenos combinados: feminização do campo e da pobreza.

IPS: Como são as condições do crédito e do pagamento?

NC: Os créditos são de 48 meses e seis mil bolívares (US$ 1,4 mil) por pessoa para grupos de no máximo nove integrantes. A taxa de juros é de zero a 6%. Não há lucro, é sem fim lucrativo, mas também sem fins de perda. Somos um banco subsidiado pelo Estado, algo único no caso das mulheres, para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, entre eles o de eliminar a pobreza e empoderar as mulheres. Fazemos as máximas economias possíveis, para que nossos balanços nunca apontem perdas. Assim as mulheres cada vez recebem mais. As que pagam vão obter um “recrédito”, por isso todas estão pendentes de pagar. Conseguimos uma cobrança permanente. Às vezes, em lugar de pagar tudo, pagam uma parte, mas depois colocam tudo em dia. Envolverde/IPS