O governo Barack Obama chegou à primeira metade de 2011 com o emprego da mesma tática de propaganda utilizada por George W. Bush em seu primeiro mandato: valer-se da política externa com a finalidade de impulsionar uma visão mais positiva de sua gestão. O alvo é inequívoco: pavimentar o caminho da reeleição.
Nas últimas semanas, houve dois momentos de imediata repercussão: a eliminação de Osama bin Laden por efetivos de elite no Paquistão e o anúncio do apoio à existência de uma pátria palestina, em conformidade com linhas fronteiriças traçadas em 1967.
No primeiro caso, emergiu um presidente militar; no segundo, um diplomata; na síntese de ambos, define-se à opinião pública a visão do político formulador e tomador de decisões de impacto. Portanto, apresenta-se de maneira geral ao público um estadista, preparado para prosseguir na administração dos Estados Unidos.
Ao centrar-se na temática do Oriente Médio desta forma, ele positivamente se vincula às movimentações populares renovadoras na região e adjacências (África do Norte) – a chamada Primavera Árabe, compreendida entre Tunísia e Bahrein. À primeira vista, Washington se inclinaria à necessária renovação.
Há muitos meses, a sofrida população daquela vasta área clama por maior participação no processo político e por melhores condições de vida. O resultado dos protestos é modesto, uma vez que a repressão tem sido muito intensa, ao empregar até tanques e helicópteros para conter as massas.
Até agora, somente dois dirigentes, outrora considerados vitalícios, foram alijados de seus postos: Hosni Mubarak no Egito e Zine Ben Ali na Tunísia. Nos demais países, como nos Emirados Árabes, Jordânia, Iêmen, Kuwait, Arábia Saudita e mesmo Iraque, por exemplo, as manifestações têm lamentavelmente sido infrutíferas, dado que as reivindicações são menosprezadas pelas elites locais. Em alguns deles, a abertura restringe-se à economia.
Quando os protestos irromperam, os Estados Unidos mantiveram-se cautelosos e, por conseguinte, fiéis aos seus aliados tradicionais, independentemente do grau de despotismo de cada um daqueles dirigentes e do tempo de poder. Conservada a sustância opositora, Washington alterou a postura, ao desacreditar em variada escala aqueles governantes.
Um dos principais motivos para a hesitação inicial da Casa Branca teria decorrido da antiga aliança militar, materializada costumeiramente na venda maciça de equipamentos. Embora democrata, Obama não modificou o relacionamento comercial com os governos de lá.
Boa parte da equipagem destinada a inibir a insatisfação popular nas ruas proveio de fabricantes norte-americanos. Seu uso contra a própria população não provocou nenhuma mensagem de reprovação específica da Casa Branca, nem proposição de alteração contratual futura – cláusula de impedimento de utilização interna, a não ser no combate ao crime organizado, por exemplo.
Desde o segundo semestre de sua administração, Barack Obama tem intensificado a venda de armamentos para países do Oriente Médio, medida apoiada pelo Congresso. Em tese, os parlamentares têm um mês para analisar a proposta de comércio de material bélico. Normalmente, eles não se opõem a tal tipo de transação.
Estima-se que metade das importações de armamento nos últimos anos dos países do Oriente Médio venha dos Estados Unidos. Grã-Bretanha e Rússia seriam os fornecedores posteriormente mais bem colocados. Com a presença da França, os quatro praticamente dominam este tipo de segmento comercial em toda aquela área.
Portanto, o eventual posicionamento renovador da gestão Obama concernente àquela região esvai-se, à proporção que a relação de cunho bélico reforça-se. Na prática, a repressão ao povo nas ruas termina indiretamente por ser o maior mostruário da eficiência tecnológica das armas norte-americanas.
* Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.
** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.