COP19: Bate-papo com uma liderança indígena

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Varsóvia, Polônia – Eu conheci Tarcila Rivera Zea, fundadora do Centro de Culturas Indígenas do Peru (Chirapaq) no grupo que a cada dia reúne povos indígenas de todo o mundo antes do trabalho oficial da #COP19. Naquela manhã, os nativos da América do Sul escreveram uma carta ao ministro do Meio Ambiente do Peru, pedindo-lhe para serem mais ouvidos na COP20 que será realizada em Lima, Peru, em 2014. Todos se sentaram olhando para a parede com o texto projetado, quase perdida. Mas notei imediatamente: ela estava de pé, com longas tranças que caíam de costas, com a intenção de fazer propostas para o documento a ser enviado para o ministro.

Ao final da reunião, eu perguntei se ela poderia dedicar um pouco de seu tempo, e assim foi: não é uma entrevista fria, mas uma conversa que me fez viajar no tempo e espaço, permitindo-me apreciar o modo de vida de uma cultura antiga. Era como se, guiada por sua voz, eu tivesse acordado a milhares de quilômetros de distância, na natureza do Império Inca.

“Nós, mulheres indígenas participamos da COP, porque nós, os povos indígenas, somos os primeiros a sofrer os efeitos da mudança climática, sem no entanto sermos responsáveis por poluição ou emissões de carbono. Como mulheres indígenas, pensamos que temos muito a compartilhar e podemos ajudar, com o conhecimento que vem de nossas tradições, as medidas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas. Essencialmente as culturas do Sul são culturas holísticas, com uma visão de mundo que gira em torno do processo de ‘mudança de tempo’. Justamente, conhecendo todos os ciclos das estações e do tempo, desenvolvendo uma agricultura maravilhosa que tem uma grande biodiversidade de alimentos e de plantas medicinais”.

Em sua comunidade, qual é o papel da mulher?

– As mulheres são responsáveis pelo armazenamento de alimentos, sementes… tudo isso, certo?
Nós, mulheres, tradicionalmente mantemos as sementes, as selecionamos e cuidamos delas. Segundo a tradição, são as mulheres que plantam as sementes no chão, pelo significado da fertilidade.
Há homens que também trabalham na agricultura, mas não neste aspecto particular.
Então, nós mulheres indígenas no campo temos um papel produtivo, não apenas reprodutivo. Produtivo, porque nós apoiamos a sustentação da família, trabalhando como os homens.
Obviamente, nós sofremos os fenômenos de pobreza extrema, da invasão e da expulsão da terra. O impacto das alterações climáticas na terra está causando o deslocamento de famílias para lugares onde não é fácil sobreviver, e assim eles se encontram em situações de extrema pobreza e vulnerabilidade.

E o que você acha da criação de reservas naturais ? Eu sei que, por exemplo, no Quênia, África, o território em que vivia uma comunidade tradicional foi expropriada pelo governo para criar uma reserva.

– Se os locais das reservas são definidos de cima para baixo, sem consultar ninguém, algo está errado. Porque os povos indígenas devem participar na gestão e governança, incluindo das reservas, uma vez que sempre usaram esses territórios racionalmente, sem saque.
Quando, por exemplo, no Quênia as pessoas se deslocam como nômades, como aconteceu na selva peruana, você não os pode expulsar, porque eles realmente tinham uma cultura e uma vida nômade. Justamente por isso, se a população se baseia na mudança climática e vive em um lugar onde chove e os animais têm o que comer, quando não há mais alimento eles se movem. Isso faz parte do conhecimento técnico para manter a sustentabilidade e a vida da natureza.
Não estão presas ao chão. Ao invés disso, se você permanece fixo em um lugar e você comer tudo, você perde, não?
Portanto, não é correto que, para preservar um lugar se deve expulsar a população. Isto significa não levar em mínima consideração os seres humanos.
Queremos que o Estado considere os povos indígenas, de modo que seja criada uma sociedade de compreensão mútua e uso das riquezas que a natureza nos dá, preservando-os e protegendo-os, para uma vida saudável para todos. É isso o que queremos. Por esta razão, nós falamos principalmente de direitos.

O que você acha da COP?

– Aqui não é fácil sermos ouvidos, porque há muitos interesses em jogo. Acredito também que os Estados têm de lidar com o tema do desenvolvimento econômico. E no que o desenvolvimento econômico é baseado? Na exploração de recursos minerais, petróleo, gás e madeira, porque faz parte de uma economia de mercado. Por isso, pedimos, por exemplo, que as concessões para a exploração desses recursos deve ser feita em consulta com os povos indígenas que vivem nessas áreas, visando justamente não afetar negativamente a nós ou à natureza. Mas é uma relação conflituosa, pois trata da comparação de dois interesses opostos.

Mas achamos que os Estados e as pessoas que decidem o destino do nosso povo têm que seguir em frente, porque senão estamos prejudicando a nós mesmos, certo? Então, não perdemos a esperança, mesmo sabendo que não conseguiremos o melhor resultado.

E assim, uma vez que acabou o tempo que tínhamos para a entrevista, Tarcila me cumprimentou com um sorriso. Ela tinha outra reunião onde tentaria, mais uma vez, fazer ecoar a voz das mulheres indígenas, orgulhosas e seguras de suas ideias. Como indicado no site do Chirapaq que ela fundou: “A memória histórica reside em nossos antepassados e em nossa cultura, e nos mostra o que fazer no futuro. Para o mundo ocidental, o futuro é incerto, mas para o mundo indígena não há incertezas. Hoje vivemos no futuro”.

Giulia Carlini é repórter da Agência Jovem de Notícias, projeto encabeçado pela ONG Viração Educomunicação, que pretende levar propostas da juventude para serem contempladas pelos negociadores brasileiros durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP19).

** Para acompanhar a cobertura jovem da COP19 acesse também:  www.agenciajovem.org e www.redmasvos.org. Os conteúdos serão produzidos em português, espanhol e italiano.