Pela terceira vez no governo Dilma, o Banco Central aumenta taxa de juros para frear inflação. Para a CUT, decisão “sangra o país” e “atrapalha o desenvolvimento”. Indústria vê “graves danos à atividade produtiva”. Sistema financeiro perde aposta e leva juro menor do que esperava.
BRASÍLIA – A diretoria do Banco Central (BC) estava espremida dos dois lados, quando se sentou, no dia 20 de abril, para decidir, pela terceira vez no governo Dilma Rousseff, se o rumo da inflação exigiria mudar a taxa básica de juros da economia. O mercado previa (queria?) alta de ao menos meio ponto percentual, enquanto o mundo real da economia – trabalhadores e empresários – torcia para que a taxa ficasse igual. Pois o BC tomou uma decisão intermediária. Subiu o juro, sim, e recebeu críticas do “mundo real”. Mas surpreendeu o “mercado” e aumentou menos do que o setor defendia e menos do que o próprio BC já havia feito duas vezes desde janeiro.
Na noite daquele dia, o banco anunciou que o maior juro do planeta ficaria 0,25 ponto percentual superior. Por cinco votos a dois, a chamada Selic foi de 11,75% para 12% – os dois diretores derrotados votaram por aumento de meio ponto. Na nota que sempre divulga para explicar a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), o BC disse que ainda não é possível ter certeza sobre o “ritmo da moderação” da economia brasileira e que o cenário internacional é “complexo”.
O mundo real reagiu atirando. “A elevação das já mais altas taxas de juros do mundo – o triplo da segunda colocada, a Austrália –, sangra o país e inviabiliza o orçamento público, criando graves obstáculos ao desenvolvimento nacional e comprometendo seriamente o emprego, a renda e os investimentos sociais”, afimou o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, em nota pública.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) disse, também em nota, que a alta do juro não foi “adequada” e trará “graves danos à atividade produtiva”.
Para o economista Francisco Lopreato, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o BC tinha à mão, até a véspera da reunião, dados que já sugeriam arrefecimento da economia. Queda da criação de emprego com carteira assinada em março e no primeiro trimestre, empresários mais desconfiados com o futuro, famílias menos dispostas a gastar em 2011. A própria trajetória da inflação oficial era declinante de janeiro a a março. Por isso, Lopreato defendia que o BC não mexesse no juro agora e esperasse até o próximo encontro do Copom, em junho.
Desconforto político
Na manhã do dia da reunião, no entanto, uma parcial da inflação de abril, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrava um índice muito próximo do resultado de março – 0,77% e 0,79%, respectivamente. Do ponto de vista político, tinha ficado mais difícil para o Copom do governo Dilma eventualmente justificar a manutenção do juro, perante um “mercado” que o BC sente que o está desafiando e que o Palácio do Planalto tem certeza de que não gosta da atual diretoria do banco.
Segundo uma fonte do governo que acompanha a formulação e a execução da política de juros, o BC está convencido de que a inflação cairá a partir de maio e de que a economia já desacelerou até mais do que o governo acredita – tanto que o BC trabalha com previsão de o Brasil crescer 4% em 2011, menos que o Ministério da Fazenda. Além disso, afirmou a fonte, o banco identifica não só que há um clima inflacionário mundial, como o fenômeno não está sendo combatido à base de juro em outros países.
O problema é que o “mercado” no Brasil, de acordo com a fonte, “está testando” o BC. Primeiro, porque sempre quer aumento de juros, pois assim ganha mais dinheiro, e não sabe ainda quanto pode arrancar do governo Dilma. Segundo: a atual diretoria do BC é dominada por funcionários de carreira, a começar pelo presidente da instituição, Alexandre Tombini, e não por egressos do sistema financeiro, como em outros tempos. Terceiro: o mercado estava acomodado à vida fácil de traçar cenários para clientes e fazer negócios usando só a variável “juros”, algo que mudou depois que o governo, desde dezembro, passou a dar mais ênfase ao uso de instrumentos alternativos de combate da inflação, chamados de macroprudenciais.
Apesar do reconhecimento de que está sendo testado, o BC sabe também que o mercado tem o poder de influenciar o mundo real com suas expectativas. Por exemplo: toda semana, o Banco faz uma pesquisa com algo entre 90 e 100 instituições, sendo dois terços ligadas ao sistema financeiro, sobre inflação e juros. A pesquisa divulgada dois dias antes da reunião do Copom mostrava que o mercado acreditava que a inflação está a um passo de estourar a meta do governo para 2011. Quem olha esse tipo de estimativa – empresário que fixa preço de mercadoria, trabalhador que negocia salário –, acaba levando-a em conta. Daí que a profecia se autorrealiza.
Na mesma pesquisa, conhecida como Focus, o “mercado” apostava em aumento de 0,5 ponto do juro. O levantamento tem o formato atual desde 2001. De lá para cá, o Copom já tinha se reunido 74 vezes, e o “mercado” acertara na mosca três de cada quatro palpites. Nas duas primeiras decisões sobre juros no governo Dilma, chutes certeiros: alta de meio ponto no juro. Agora, o “mercado” acertou o gol, mas a bola bateu na trave.
O BC sentará de novo para analisar a inflação e decidir sobre juros no dia 8 de junho.
* Publicado originalmente no site da Carta Maior.