Durante a Cúpula dos Povos, na Rio+20, a construção da hidrelétrica de Belo Monte foi transformada num dos crimes ambientais mais graves a ser derrotado pelos guerreiros ambientalistas, de quase todas as correntes. Convenhamos que alguns dos argumentos que eles apresentam são procedentes. O histórico de agressões sociais e ambientais praticadas no processo de construção de hidrelétricas no Brasil pode constituir uma folha corrida policial relativamente extensa.
A construção de alternativas de vida para as populações que habitavam nas áreas alagadas pelas barragens foi, em geral, negativa, seja em termos de produção agrícola, seja em termos de pesca, os principais meios de vida dessas populações. Governos e engenheiros simplesmente não se preocuparam em construir escadas apropriadas para os peixes realizarem a piracema e desovarem a montante da região das barragens. Com essa falta, introduziram uma mudança drástica na reprodução das espécies desses animais.
O mesmo ocorreu com a navegação fluvial, pelo simples fato de os projetos não incluírem comportas que permitissem elevar e baixar as embarcações à montante e à jusante. Isto, para não falar dos grandes desastres ambientais e financeiros promovidos pelas construções das represas de Balbina e Tucuruí, que inundaram extensas massas de florestas, causando a emissão de gases e a mortandade de parte considerável da fauna das regiões onde se localizam.
Todas essas populações, que em geral chamam a si mesmas de barrageiras, contam histórias que se assemelham a tragédias. Indenizações que não foram pagas, ou foram insuficientes para a retomada da vida, já em condições diferentes das que viviam antes. Ausência de serviços públicos nas vilas em que foram instaladas, assim como uma série de outros problemas que as deixam saudosas da vida anterior, embora tal vida também fosse de pobreza e dificuldades, ou dificulidades, como costumam frisar. A rigor, nenhuma nova oportunidade de trabalho e desenvolvimento social lhes foi apresentada.
Talvez diante disso e da crescente mobilização social contra Belo Monte, a Norte Energia, o consórcio estatal-privado responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, tenha decidido trazer a público um anúncio sobre a obra. Esperava-se que tal anúncio não só detalhasse o fato de que a represa de Belo Monte terá um baixo impacto ambiental, em parte devido à alagação mínima, por empregar turbinas de geração de fio d’água, em parte por ter planos para permitir a piracema e a navegação fluvial. E que comprovasse que o impacto social previsto deverá ser mais positivo do que negativo, por incluir medidas de promoção do desenvolvimento econômico e social das populações indígenas e não indígenas atingidas pela obra, além daquelas necessárias para evitar o colapso dos serviços públicos de saúde, educação e outros, em virtude do aumento populacional da região durante as obras.
No entanto, o que se viu foi um anúncio institucional tradicional sobre a grandeza da obra. O que nos leva a considerar quatro possibilidades. Primeira, os dirigentes desse empreendimento não estão cientes das forças econômicas e políticas interessadas em impedir o processo de desenvolvimento econômico e social do Brasil, do qual a hidrelétrica de Belo Monte é peça estratégica. Segunda, eles sabem disso, mas desprezam a crescente mobilização social que pode emparedar o governo. Terceira, consideram que não precisam levar em conta os argumentos levantados por essa mobilização, por avaliarem que tais argumentos se baseiam no histórico passado de construção hidrelétrica, não nos detalhes do projeto de Belo Monte. Quarta, o que seria pior, ignoram todas as possibilidades acima e acham que basta fazer a publicidade institucional.
Porém, independentemente das possibilidades acima serem verdadeiras ou não, chegou a hora de os responsáveis por essa obra estratégica considerarem seriamente que há uma profunda disputa internacional e nacional para impedir essa obra, disputa que não está restrita a governos e empresários, mas está desbordando para uma mobilização social e política. E que isso está ocorrendo, em grande parte, em virtude da falta de ações ofensivas de informação e de debate técnico, social e político por parte dos que consideram a obra estratégica para o desenvolvimento brasileiro.
Em outras palavras, chegou a hora de os responsáveis pela execução do projeto, que possuem todas as informações necessárias, entrarem na batalha social e política, explicando em detalhes tudo o que está planejado para evitar os erros do passado e atender às demandas de mitigação ambiental e desenvolvimento social, transformando a mobilização contra a represa de Belo Monte em mobilização a favor. Mesmo porque já há experiências concretas de correção dos erros do passado, a exemplo da escada para a piracema da barragem de Itaipu e das comportas de Tucuruí.
A missão de travar essa batalha não pode ficar restrita à militância política que compreende a importância do projeto, pelo simples fato de que a voz dessa militância não tem o peso dos que são diretamente encarregados de dirigi-lo. Portanto, é uma missão a ser realizada principalmente por estes e pelos setores do governo envolvidos no problema. A não ser que aquelas possibilidades sejam reais.
* Wladimir Pomar é escritor e analista político.
** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.