A notícia caiu como uma bomba mesmo sobre setores que acham que a hidrelétrica de Belo Monte é sinal de desenvolvimento no Pará. Os grupos encarregados da obra compraram algo entre R$ 50 mi e R$ 1,3 bi em máquinas e equipamentos em outros Estados (Diário do Pará, 7/9/11).
Logo algumas autoridades do Estado protestaram. Com razão. Ameaçaram barrar a entrada das máquinas se não houver pelo menos o pagamento da diferença do ICMS. Com razão também. Mas é o máximo que podem exigir: uma parcela do imposto. A outra já está nos cofres de Estados como São Paulo e Espírito Santo.
Esse fato merece reflexão. Ele é o oposto da propaganda feita pelos arautos de Belo Monte desde os tempos da ditadura militar, quando o projeto foi concebido. Seus mentores sempre disseram que o Pará ia ganhar muito com o barramento do Rio Xingu. A começar pelos impostos arrecadados.
O principal imposto nesses casos – o ICMS – não é cobrado na geração de energia, mas sim no consumo. Como o Pará será o destino de apenas 3% da energia de Belo Monte – se tanto –, nota-se que 97% da energia produzida aqui deve gerar dinheiro para os cofres públicos de outros Estados.
Segundo o próprio Diário do Pará informou recentemente, um cálculo ligeiro projeta em valor próximo de R$ 2 bilhões anuais o montante das perdas com ICMS que o Pará vai experimentar com a usina do Xingu.
Ao Pará sobraria o imposto pela compra de equipamentos na fase de construção da usina. Embora não seja uma receita mensal como o consumo de energia, poderia significar dinheiro para atender gestantes prestes a dar à luz em portas fechadas de maternidades. Mas, com a compra dos equipamentos em outros Estados, nem isso sobrou ao Pará.
Os primeiros atos dessa ópera trágica que é Belo Monte em todos os sentidos – ambiental, social e econômico – mostram que somos colônia. Estamos longe da independência, apesar de termos contribuído no ano passado com US$ 12 bi para o saldo da balança comercial brasileira. Somos o segundo maior Estado em volume de divisas para o Brasil.
Aos olhos dos setores da sociedade paraense que promovem o modelo socioambiental de desenvolvimento não há nada de novo. Quem vive da exploração sustentável dos recursos da floresta pode repetir o dito popular: está tudo como dantes no quartel de Abrantes.
A floresta vira carvão para alimentar os fornos das guseiras. Ou soja para alimentar os porcos da Europa. Ou pasto para formar a ineficiente equação de um boi por hectare. Ou é inundada para produzir energia para empresas de outros países…
Nesse dia da independência do Brasil, Belo Monte nos ajuda a entender como vamos nos tornando cada vez mais colônia. A banda de rock paraense, dos anos 1980, Mosaico de Ravena já perguntava: “Por que ninguém nos leva a sério? Só o nosso minério?”.
Muito tempo se passou desde que os cabanos fizeram sua revolta contra a exploração, mas talvez seja um pouco do espírito de resistência deles que ande nos faltando nesses tempos tão modernos.
* Felicio Pontes é procurador da República no Pará e mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
** Publicado originalmente no site do Movimento Xingu Vivo para Sempre.