Belo Monte: quem ganha com tantos absurdos?

Às vésperas de o Ibama conceder a licença de instalação da hidrelétrica Belo Monte, no Pará, importa lembrar que a história desta usina-problema precisa ser contada a partir da sequência de absurdos que a marcam.

Rio Xingu.

Há 30 anos, o Estado brasileiro usa todo tipo de manobra em sua defesa, mas ainda não conseguiu provar com lógica energética e racionalidade econômica a prioridade que Belo Monte recebe desde a ditadura.

Configura-se, assim, o principal absurdo do projeto: o que leva governo a governo sustentar uma obra que não se sustenta?  O Ibama, que certamente vai autorizar a obra nos próximos dias, sequer considera esta dúvida e vai licenciar o projeto.

Os absurdos não param por aí e recentemente aumentaram em gravidade.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) em abril solicitou a suspensão do projeto até que os indígenas que serão afetados pela construção da usina sejam adequadamente consultados.  É o que reza na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil.

O governo respondeu arrogantemente e desatou mais uma sequência de absurdos.  Fez tudo aquilo que sempre condenou e tomou posições unilaterais, como os Estados Unidos fazem em relação à Organização das Nações Unidas.

Dilma vetou a candidatura brasileira a uma vaga na Comissão de Direitos Humanos da OEA, convocou a Brasília o representante brasileiro na Organização e cancelou uma contribuição voluntária à entidade.

Na sua cota de absurdos, o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, acusou o golpe e admitiu rever a censura.

A estranha teimosia do Estado brasileiro desafia até a ciência. O relatório Riscos das Mudanças Climáticas no Brasil (www.inpe.br/noticias/arquivos/pdf/relatorioport.pdf), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), brasileiro, e do Met Office Hadley Centre, inglês, divulgado há poucas semanas, mostra que, no caso de qualquer empreendimento na Bacia Amazônica, há de se ter muito mais precaução e menos açodamento (o mesmo açodamento teve o BNDES, que prometeu 80% da obra orçada em R$19 bilhões antes mesmo de analisar o projeto).

Inpe e Met prevêem nos próximos anos diminuição de chuvas na Amazônia devido à mudança no clima da Terra. Tudo em um cenário em que o funcionamento de Belo Monte já seria prejudicado pela altíssima variação de vazão ao longo do ano do Rio Xingu, onde será construída.

A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) comprovou que nas áreas próximas à futura obra se acirram conflitos entre índios e posseiros e expropriação de comunidades tradicionais.  Segundo a ABA, a mera licença provisória para o canteiro de obras provocou conflitos fundiários e ameaças de morte a indígenas e ribeirinhos.

A ABA e um painel de professores de universidades brasileiras já haviam identificado graves equívocos no estudo de impacto ambiental da obra. O Ministério Público do Pará alerta que a Nesa, o consórcio que vai construir a usina, ainda não cumpriu uma sequer das 40 exigências do Ibama para concessão da licença prévia.

Nada, porém, sensibiliza o absurdo Estado brasileiro, que segue viabilizando este que é um dos mais caros projetos do PAC.

Então, há que se perguntar: quem ganha com tanta insistência em se construir Belo Monte?

* Carlos Tautz é jornalista.

** Publicado originalmente no Blog do Noblat e retirado do site Amazônia.org.br.