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Bem-vindo apoio masculino contra a mutilação feminina no Quênia

Nimo Omar, de 17 anos, se salvou do “corte” aos seis anos graças à intervenção de seu irmão mais velho. Foto: Miriam Gathigah/IPS

Nairóbi, Quênia, 8/2/2013 – Para a comunidade samburu, no norte do Quênia, já foi terrível o fato de Julius Lekupe não conceber um varão, mas pior foi sua filha mais velha se negar a ser “cortada”. As “mulheres são como uma propriedade por aqui. As circuncidamos e as casamos até com dez anos”, disse Lekupe à IPS. Ele sabia que era questão de tempo antes que sua filha de 16 anos tivesse que se submeter a esse ritual contra sua vontade. A mutilação genital feminina (MGF) implica a extirpação total ou parcial dos órgãos sexuais externos da mulher sem justificativa médica e por motivos culturais.

“Ela implorou para apoiá-la e protegê-la. Foi uma decisão difícil, mas concordei. A enviei a Nairóbi para viver com um amigo”, contou Lekupe. Ele pertence a um grupo cada vez maior de homens de diferentes grupos étnicos que praticam essa mutilação e que começaram a se opor ao agora ilegal procedimento neste país da África oriental. O parlamento adotou em 2010 a lei de Proibição da Mutilação Genital Feminina, que prevê sete anos de prisão para os infratores e até multa de US$ 5,8 mil, uma quantia enorme neste país onde o salário mensal médio é de US$ 250. A combinação desta lei e da mudança de atitude na comunidade parece dar resultados.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Fundo de População das Nação Unidas (UNFPA) divulgaram, no dia 6, dados atuais que mostram uma redução na prevalência da MGF no continente, e em especial nas gerações mais jovens de meninas. As agências destacaram o Quênia como um exemplo de redução drástica na região, e disseram que “as mulheres entre 45 e 49 anos têm três vezes mais possibilidades de terem sido cortadas do que as da faixa etária de 15 a 19 anos”, diz o comunicado.

“Este avanço mostra que é possível acabar com a MGF”, disse o diretor executivo do Unicef, Anthony Lake. “Podemos e devemos acabar com ela para ajudar milhões de meninas e mulheres a terem uma vida mais sadia”, destacou. Cada vez mais homens assumem um papel ativo na promoção dessa mudança cultural, diz o informe do UNFPA de 2012 Acelerando a Mudança.

Além de pais como Lekupe, que desejam proteger suas filhas, os jovens no Quênia expressam publicamente seu desejo de casar com mulheres não circundadas, segundo o informe. Uma mudança significativa em um país onde há comunidades nas quais a ablação continua sendo um requisito para o casamento. Além disso, cerca de 20 líderes muçulmanos declararam publicamente uma luta contra este procedimento em 2011, segundo o UNFPA.

“Nos enganaram para crermos que a MGF é uma prática do profeta Maomé e que seus seguidores devem respeitá-la”, disse a esta agência Abdi Omar, pai de uma filha na localidade de Garissa. “No entanto, em todo o norte do Quênia há líderes muçulmanos que nos dizem que não é assim. Por que vou apoiá-la se não é uma prática do profeta?”, perguntou.

Segundo Ibrahim Shabo, ativista contra a MGF na localidade de Isiolo, a postura dos líderes muçulmanos é determinante para incidir na população somaliana assentada no Quênia, entre a qual a prevalência desta prática é de 98%. Em Isiolo, 285 quilômetros ao norte de Nairóbi, há uma comunidade pastoril conhecida por seu consistente uso da ablação.

Em Kapenguria, no Vale do Rift, o conselho local de anciões uniu-se em 2011 ao coro de vozes contra a MGF, mediante uma declaração convocando para o abandono desta prática. “Esta é uma comunidade conhecida pelas suas formas extremamente brutais de fazer a MGF”, disse à IPS o líder comunitário Philipo Lotimari. Ele explicou que esses métodos incluem abrir a vagina da menina com um chifre de vaca na primeira vez que mantém relações sexuais após a ablação.

A posição do conselho, integrado apenas por homens, conseguiu uma mudança de atitude, ao passar a “mensagem coletiva de que aprova o casamento com uma menina não circundada”, disse Lotimari. Suas irmãs menores não foram mutiladas porque ele queria que estudassem e não se casassem, explicou.

Porém, nem todos os homens têm motivos altruístas para serem contra a ablação. Omar, o pai residente em Garissa, disse que os jovens da região são contra porque sentem que também são “vítimas” dessa prática. “Se costuram muito apertado a vagina não dá para penetrar nem desfrutar do sexo. Os casamentos terminam por isso”, explicou.

O médico Salim Ali, especializado em saúde reprodutiva, do norte do Quênia, disse à IPS que “as relações sexuais com mulheres mutiladas são incômodas e elas o fazem por dever. Raramente têm um orgasmo e o sexo se torna entediante. As que não foram cortadas têm sexo mais seguidamente e desfrutam dele”.

Há outros casos em que os homens, cujas esposas sofreram complicações no parto, são obrigados a pagar operações de emergência para salvá-las e os bebês, disse à IPS a ativista Grace Gakii, que trabalhou em comunidades que praticam a ablação como a masái e a pokot. “Precisam vender seu gado para conseguir dinheiro para a cirurgia. É um problema, apesar do apego que sentem pela prática”, acrescentou.

Embora nem todos os homens contra à mutilação feminina sejam aliados das mulheres, seu apoio é fundamental para acelerar a erradicação desta prática. “Se mais conselhos de anciãos e jovens continuarem demonstrando seu apoio a uma sociedade sem MGF, o Quênia avançará para a tolerância zero a esse respeito”, acrescentou Gakii. Envolverde/IPS