Washington, Estados Unidos, 12/9/2011 – A rede extremista Al Qaeda parece ter acelerado a queda dos Estados Unidos, se é que não conseguiu sua decadência total, afirmam especialistas em política externa, apesar da morte de seu líder, Osama bin Laden, anunciada pela Casa Branca em 1º de maio. Por ocasião do décimo aniversário dos atentados de 11 de setembro de 2001 contra as Torres Gêmeas de Nova York e o Pentágono, em Washington, muitos analistas entendem que o governo de George W. Bush (2001-2009) reagiu de “forma exagerada”, comportamento que se mantém até agora.
A reação esteve encabeçada principalmente por neoconservadores e outros falcões, ala mais belicista do agora opositor Partido Republicano, que manejaram a política externa do governo Bush, mesmo antes dos atentados de 2001. Os falcões promoveram uma política radical para consolidar o domínio de Washington no Oriente Médio mediante a estratégia “shock and awe” (impacto e estupor), para que qualquer interessado em ser potência global ou regional se dobrasse a um mundo “unipolar”. “Shock and awe” se refere a uma doutrina militar que objetiva sufocar o inimigo mediante uma grande potência armada que o aniquile.
Encabeçados pelo então vice-presidente, Dick Cheney, o chefe do Pentágono (secretário da Defesa), Donald Rumsfeld, e seus assessores mais radicais, os falcões estiveram por quatro anos, antes dos atentados, preparando o Project for the New America Century (PNAC – Projeto para o Novo Século Norte-Americano). A organização contou com a participação de ideólogos neoconservadores como William Kristol e Robert Kagan, que reclamaram que os Estados Unidos mantivesse sua “hegemonia pós-Guerra Fria o maior tempo possível”.
Em diferentes artigos posteriores pediram urgência no aumento do gasto militar, adoção de ações bélicas preventivas e, se necessário, unilaterais, contra as possíveis ameaças, bem como promover uma mudança de regime nos chamados países desobedientes, começando pelo Iraque, então sob o regime de Saddam Hussein (1979-2006).
A vontade do PNAC de manter a hegemonia dos Estados Unidos não parecia tão disparatada antes dos atentados de 2001. Este país concentrava 30% da economia mundial, tinha a posição fiscal mais forte e um orçamento para a defesa superior à soma de vinte dos exércitos mais poderosos. A ideia de que os Estados Unidos eram invencíveis se manteve graças à demonstração de unidade nacional que se seguiu aos ataques de 2001 e à velocidade e suposta facilidade com que Washington orquestrou a expulsão do movimento Talibã de Cabul um ano depois.
“Revisei a história e não vi nada igual”, disse o historiador Paul Kennedy, da Universidade de Yale e principal expoente da escola que 15 anos antes anunciara a decadência, referindo-se ao domínio de Washington, que comparou favoravelmente ao império britânico. “Agora aparece quem fale de império”, diz em uma coluna do The Washington Post o neoconservador Charles Krauthammer, também partidário de Cheney e defensor de um mundo “unipolar” encabeçado pelos Estados Unidos. “O fato é que nenhum país dominou culturalmente, tecnologicamente e militarmente o mundo desde o Império Romano”, acrescentou.
Tal euforia ou orgulho desmedido deu lugar à fase seguinte de derrubar Saddam Hussein, segundo o objetivo do PNAC de triunfar no que havia batizado de “guerra global contra o terrorismo”, explicitada em uma carta aberta a Bush e publicada nove dias depois dos atentados de 2001. “Se não forem tomadas medidas, será como se render antes e, talvez, de forma decisiva na guerra internacional contra o terrorismo”, alertou o PNAC.
Washington devia ampliar seus objetivos para incluir os Estados, especialmente os hostis a Israel, que apoiam organizações terroristas, bem como elas mesmas. Assim, Bush concentrou e destinou recursos militares e de inteligência para preparar a guerra contra o Iraque, em lugar de se concentrar na captura de Bin Laden e de outros líderes da Al Qaeda, e deu assistência material para pacificar e começar a construir o Afeganistão.
Essa ideologia agora é considerada – salvo por Cheney e seus mais acérrimos defensores – como a política externa mais desastrosa já adotada por um presidente dos Estados Unidos na última década, quando não no último século. Não só favoreceu as condições para um possível retorno do Talibã no Afeganistão, o que agora custa aos Estados Unidos US$ 10 bilhões ao mês, como destruiu o apoio e a solidariedade internacionais que Washington reuniu logo após os atentados de 2001.
O fato ficou evidente quando Bush não conseguiu que o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) o apoiasse para invadir o Iraque em março de 2003. Também levou a convencer dezenas de milhões de muçulmanos de que os Estados Unidos haviam lançado uma guerra contra o Islã, de acordo com várias pesquisas de opinião. De fato, com a invasão do Iraque, os Estados Unidos caíram na armadilha de Bin Laden, que estava convencido de que a ocupação do Afeganistão pela hoje extinta União Soviética havia contribuído de forma significativa para sua decadência e que, segundo analistas, acreditava que aconteceria o mesmo com Washington.
“Com os mujahidines sangramos a Rússia durante dez anos, até que quebrou e foi obrigada a se retirar derrotada”, afirmou Bin Laden em um vídeo de 2004, ao descrever o que chamou de “guerra de desgaste”. “Seguiremos com a política de sangrar os Estados Unidos até a bancarrota”, acrescentou Bin Laden. “Só o que temos que fazer é enviar dois mujahidines até o ponto mais oriental e que icem um pedaço de pano onde esteja escrito Al Qaeda para que os generais corram para lá e que os Estados Unidos sofram perdas humanas, econômicas e políticas sem fazer nada mais do que beneficiar algumas corporações privadas”, prosseguiu.
Quando Bin Laden gravou o vídeo, as forças norte-americanas combatiam uma crescente insurgência no Iraque, o que levou a abusos em Abu Ghraib, que prejudicaram ainda mais a imagem já maculada de Washington, deixaram esse país à beira de uma guerra civil e forçaram uma intervenção mais profunda e cara dos Estados Unidos. Segundo a previsão de Bin Laden, Washington, incitado por partidários do PNAC e seus alunos, levou suas forças virtualmente a todos os locais onde apareceu uma bandeira da Al Qaeda, o que enfraqueceu os governos locais e provocou a ira da população, especialmente na Somália e no Iêmen.
O pior é que fez o mesmo no Paquistão, possuidor da bomba atômica, para não mencionar o Afeganistão, onde o sucessor de Bush, Barack Obama, teve de duplicar os efetivos norte-americanos até cem mil em seus primeiros dois anos de governo, ainda que retirando uma quantidade semelhante do Iraque. Os US$ 3 bilhões a US$ 4,4 bilhões, que Washington gastou direta e indiretamente na chamada guerra contra o terrorismo, constituem uma parte substancial da crise fiscal que transformou a política do país e o deixou à beira da bancarrota no mês passado.
O exército norte-americano é de longe o mais forte do mundo, mas sua fama de invencível ficou irreparavelmente afetada por uma mistura estranha e confusa de grupos guerrilheiros que o desafiaram e frustraram. O resultado foi uma “sustentada erosão de sua posição no mundo”, que Obama não conseguiu reverter, disse o colunista Ross Douthat, no The New York Times. “Há tempos fazemos o jogo de nossos oponentes, fazendo exatamente o que querem que façamos, respondendo como pretendem com suas provocações, prejudicando nossa economia e afastando a maior parte dos países do Oriente Médio”, escreveu Richard Clarke, funcionário de segurança do governo Bush. Em seu site dailybeast.com, Clarke alertava antes dos atentados de 2001 que a Al Qaeda preparava uma grande operação em território norte-americano. Envolverde/IPS