Washington, Estados Unidos, 2/8/2013 – Enquanto políticos em todo o mundo se perguntam como reduzir as futuras emissões contaminantes, alguns cientistas e ambientalistas se centram em definir maneiras seguras e eficientes de reduzir o dióxido de carbono que já está na atmosfera. O biocarvão, ou “biochar”, é uma delas. Trata-se de uma antiga prática de fertilização que implica fabricar carvão a partir dos cultivos do ano anterior, e misturá-lo no solo para nutrir a terra para o ano seguinte.
O biochar impede que chegue à atmosfera o dióxido de carbono emitido pelas plantas quando morrem e se decompõem naturalmente. Em maio, uma estação científica norte-americana anunciou que, pela primeira vez, as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono haviam ultrapassado as 400 partes por milhão (ppm). Os especialistas climáticos alertam há anos que níveis superiores a 350 ppm podem gerar um “ponto de inflexão” que acelere o derretimento dos gelos polares, elevando as temperaturas mundiais e os eventos meteorológicos extremos.
“É necessária uma mudança de modelo em nosso enfoque para o clima, para mudar realmente a forma como olhamos o que significa uma solução. A maior parte do debate se centra não só no setor energético, mas também nas emissões atuais”, apontou Mark Hertsgaard, um jornalista que nas últimas décadas se dedicou a assuntos climáticos, perante uma audiência em Washington. “As emissões em curso, as atuais e as futuras, acrescentam cerca de dois ppm de dióxido de carbono à atmosfera por ano, mas o que pauta o problema são as 400 ppm que já estão na atmosfera.
Embora atualmente toda a discussão seja sobre essas duas ppm, também temos que levar a sério as 400 ppm e ver como extrair dióxido de carbono da atmosfera”, acrescentou Hertsgaard. O jornalista indicou um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), segundo o qual na década anterior a 2010 houve uma quantidade sem precedentes de “eventos meteorológicos extremos”. Mesmo se repentinamente se detivessem todas as novas emissões, os cientistas sugerem que as temperaturas mundiais continuarão aumentando durante pelo menos outras três décadas.
Contudo, segundo uma quantidade cada vez maior de pesquisadores do solo, cientistas climáticos e outros, o biocarvão pode oferecer uma oportunidade de reduzir esses níveis mundiais pré-existentes de dióxido de carbono. Por meio da fotossíntese, todas as plantas absorvem naturalmente o dióxido de carbono do ar como parte integral de seu próprio ciclo vital. Em circunstâncias normais, esse carbono volta a ser liberado na atmosfera quando a planta morre e se decompõe, mas a ideia que há por trás do biocarvão é consolidar esse carbono de uma forma sólida que possa ser colocado debaixo da terra e, assim, fora da atmosfera, pelo menos por algum tempo.
A parte central do processo implica queimar a planta – talvez cultivos que morreram, ou árvores que fizerem o mesmo por causa de uma infestação, ou algo plantado especificamente para este fim – em um fogo baixo em oxigênio, e convertê-la em carvão. O biocarvão resultante pode ser usado como um fertilizante de alta potência, oferecendo benefícios tanto para os agricultores como para a luta contra a mudança climática.
Segundo estimativas de Johannes Lehmann, pesquisador em ciências agrícolas da Universidade de Cornell, o mundo poderá compensar plenamente suas emissões anuais de gases-estufa se o biochar for adicionado a cerca de 10% das áreas agrícolas existentes. Em todo caso, essa é a ideia. No momento, inclusive para os que consideram este método relativamente sólido, o potencial de aumentar a uma escala significativa o uso de biocarvão no mundo ainda está longe de ser atingido.
“Persistem muitas perguntas, mas o fundamental aqui é que precisamos ampliar nosso olhar para fazer com que a agricultura esteja no centro do debate sobre a mudança climática”, opinou Hertsgaard. “Na teoria, o biocarvão pode ser um meio de fazer retroceder o relógio do clima. Sem dúvida, a agricultura pode ser uma parte crucial da solução para que o problema dê marcha à ré”, ressaltou.
Até agora, o financiamento e o apoio político para o biocarvão estão sumidos, apesar de haver claro interesse governamental nos Estados Unidos e na União Europeia. O Departamento de Agricultura norte-americano talvez tenha mostrado o maior interesse institucional até o momento, financiando uma série regular de pequenos subsídios para que prossiga a pesquisa sobre o biocarvão, particularmente em universidades. Embora no Congresso dos Estados Unidos se tenha feito tentativas para garantir o financiamento em importante legislação agrícola, isso ainda não aconteceu.
A Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) também promovem e estudam uma série de projetos, mas alguns observadores sugerem que a maioria dos doadores ainda adota um enfoque de esperar e ver. Atualmente, há várias dezenas de projetos-piloto e de pequena escala que avançam em países em desenvolvimento, principalmente na Índia.
Na verdade, embora o debate internacional sobre o clima ofereça um potencial tentador, mas ainda remoto para o biocarvão, as necessidades de segurança alimentar dos países pobres constituem a oportunidade mais tangível para este enfoque. Está disponível uma série de projetos simples e baratos para criar biocarvão, a maioria dos quais criados a partir de recipientes de 208 litros.
“Os habitantes de países em desenvolvimento costumam estar limitados pela pobreza de seus solos, que são ácidos ou pobres em nutrientes, e é ali onde a adição de biocarvão tende a mostrar o maior aumento nos índices de crescimento”, revelou Thayer Tomlinson, diretora de comunicações na Iniciativa Internacional do Biochar (IBI), uma organização com sede nos Estados Unidos, em conversa com a IPS.
“Parte da importância disto é que as comunidades possam usar resíduos agrícolas em lugar de lenha, e converter isso em produtos úteis. Estes benefícios significativos para o solo podem ser proporcionados sem cortar florestas, sem depender tanto dos fertilizantes comerciais e usando apenas produtos que de outro modo poderiam ser descartados”, detalhou Tomlinson.
A IBI existe desde 2007 e, segundo Tomlinson, nesse tempo o interesse no biocarvão aumentou notoriamente, a partir da indústria, dos empresários, dos especialistas em desenvolvimento e outros. “Observando as referências bibliográficas ao biocarvão, se vê que houve grande aumento ano a ano”, destacou. Embora esse tema tenda a incluir vários grupos de interesses, claramente há um interesse comercial cada vez maior, enfatizou.
Enquanto isso, a indústria trabalha para padronizar os produtos deste pujante setor. No ano passado, a IBI apresentou padrões iniciais para definir o biocarvão, e há dois meses divulgou um novo programa de certificação para produtores da América do Norte. Em abril, a organização apresentou um protocolo de “compensação de carbono” junto a reguladores dos Estados Unidos, para quantificar quanto carbono há no biocarvão e as emissões que seu uso acarretaria. Agora o documento está aberto a comentários públicos. Envolverde/IPS