O dia começa mal, na leitura da primeira página do Valor Econômico, um dos espaços de mídia onde se encontra jornalismo de qualidade. Abílio Diniz vai atrás de R$ 3,9 bilhões do BNDES, para uma operação de fusão Pão de Açúcar-Carrefour, onde não entrará com UM TOSTÃO, mas passará a controlar 32,2% das vendas do varejo nacional. Sem colocar um tostão do seu bolso, vale repetir.
O grave é que o porcentual de commodities sobre manufaturados aumentou na balança de exportações. Em relação ao ano passado, aumentaram 39,1%, enquanto os manufaturados subiram apenas 15,1%.
Resta o plano inferior da página: “Na Olimpíada, uma antevisão da crise grega”. Por quê? Simples. Gastos iniciais de US$ 1,5 bilhão terminaram em US$ 11,9 bi, oficialmente, porque há indícios, diz o texto, de que possa ter chegado a 30 bilhões de euros – cerca de R$ 50 bilhões.
Mas vamos tratar especificamente da manchete principal, porque a lusitana ainda está girando, e a torcida é grande para que o sócio francês de Diniz, o Casino, consiga melar a baderna.
Para quem gerou um “sequestro” suspeitíssimo na véspera do segundo turno em 1989, com Lula tendo grandes chances de vitória comprometidas pelas suspeitas de ligações políticas com os sequestradores, esse neopetista realmente progrediu. Virou, junto com Gerdau, os controladores do Bradesco e Itaú, e os predadores do agronegócio, um dos principais “aliados” do lulismo pragmático.
Esta mais recente ameaça de tenebrosa transação comprova como o polulismo, digo, o populismo lulista, foi competente na metamorfose. Transformou um projeto classista de mudança radical da realidade brasileira no mais eficaz agente do capital monopolista em nosso país.
Em oito anos, conseguiu gerar um modelo em que todos ganham – uns muito mais que outros, evidentemente –, suficientemente para colocar colchões amortecedores entre classes em conflito. Sintetizando, esses quase R$ 4 bilhões que o BNDES pode proporcionar à manobra de Diniz correspondem à metade do que foi destinado a tornar “felizes” 11 milhões de famílias com a Bolsa, em 2007. E cito 2007 pois foi o último ano em que me preocupei em seguir a relação lucros bancários/combate à miséria por políticas assistencialistas.
Naquele então, o destinado à Bolsa Família, em 12 meses, correspondia ao lucro, em nove meses, do segundo maior banco privado brasileiro, o Bradesco. Porque o primeiro, o Itaú, nesses mesmos nove meses, tivera um lucro exatamente R$ 500 milhões maior que o despendido com o “social”.
Pois bem. Sob a ótica do prestígio ao desenvolvimentismo, sobre o monetarismo – na essência, louvável –, estamos, mais uma vez e de fato, diante de uma proposta clara de privatização do lucro, com socialização previsível do prejuízo.
Os recursos que faltam para as políticas públicas, em virtude de um criminoso superávit fiscal, voltado a garantir retorno aos bancos sem risco de tudo o que se especula com a dívida pública – crescente em progressão geométrica desde que o modelo macroeconômico se iniciou lá no mandarinato tucano-pefelista de FHC –, são acrescidos agora pelos constantes “empréstimos” que o Tesouro vem fazendo ao BNDES.
Empréstimos que se transformam em transferências subsidiadas para as operações – reitero, sem riscos – do grande capital, em suas operações de fusão. Operações de fusão que, é bom ser dito, em nada vêm impedindo a constante desindustrialização do nosso parque produtivo, em benefício de operações financeiras que ninguém sabe onde vão dar.
Barra pesada, e no dia seguinte ao desligamento de um quadro histórico e simbólico como Vladimir Palmeira. O que deve servir de reflexão aos petistas que ainda acreditam que o PT seja “socialista”, como consta do programa.
Ou será que estariam de acordo em defender o que Noam Chomsky definiu como “socialismo dos ricos”?
* Milton Temer é jornalista.
** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.