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Boko Haram responde com carros-bomba à cúpula sobre a Nigéria

 

O último atentado com bomba do Boko Haram na capital da Nigéria, Abuja, no dia 14 de abril de 2014, deixou 75 mortos. Foto: Cortesia Mohammed Lere
O último atentado com bomba do Boko Haram na capital da Nigéria, Abuja, no dia 14 de abril de 2014, deixou 75 mortos. Foto: Cortesia Mohammed Lere

 

 

Abuja, Nigéria, 22/5/2014 – A explosão de vários carros-bomba no dia 20 matou dezenas de pessoas na cidade de Jos, no centro da Nigéria, apenas quatro dias depois que cinco governantes da África ocidental se comprometeram a travar uma “guerra” contra o grupo radical islâmico Boko Haram, em uma cúpula realizada em Paris.

Nem os últimos atentados nem a cúpula do dia 17 na capital francesa ajudaram a aplacar o ressentimento que existe na Nigéria contra o governo, pela indiferença inicial que demonstrou diante do sequestro de 276 alunas da escola secundária da cidade de Chibok, no Estado de Borno, no dia 14 de abril.

Ainda não se sabe exatamente o número de vítimas do atentado em Jos, mas um funcionário do serviço de emergência disse à IPS que é “enorme”. Alguns afirmam que teriam morrido cerca de 200 pessoas, já que as bombas explodiram em um mercado. Ninguém assumiu ainda a responsabilidade pelo atentado, mas suspeita-se que seja obra do Boko Haram.

A população tem poucas expectativas de que haja um triunfo rápido sobre o Boko Haram e muitos sentem em Abuja que as conversações em Paris deram poucas esperanças para a busca das adolescentes sequestradas. “A amarga verdade é que a situação que ameaça suas vidas é manejada como uma irritação por quem deveria se importar”, disse no Twitter, no dia 19,  Oby Ezekwesili, ex-ministro da Educação e líder de uma manifestação de protesto nesta capital. “Por mais amargo que seja aceitar, a verdade é que os que devem encontrá-las continuam desprezando a agonia de seus pais”, acrescentou.

Após mais de um mês de buscas, ainda não há pistas sobre o paradeiro das sequestradas, embora exista o apoio dos serviços de inteligência de Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Israel. Porém, a pressão é cada vez maior sobre o governo, já que a violência só aumenta.

Pelo menos quatro pessoas morreram no dia 18 em outro atentado com bomba no Estado de Kano, que também se suspeita ter sido obra do Boko Haram. O último ataque desse grupo extremista na região aconteceu em 2012. A explosão em um concorrido bar de uma área de maioria cristã fez temer que os insurgentes possam estar se deslocando de seu reduto em Borno, que fica a quase 600 quilômetros de Kano.

Nigerianas e nigerianos reunidos diante da Unidad, em Abuja, no dia 30 de abril, cobrando que o governo atue com rapidez para encontrar as 276 adolescentes sequestradas pelo Boko Haram na cidade de Chibok. Foto: Mohammed Lere/IPS
Nigerianas e nigerianos reunidos diante da Unidad, em Abuja, no dia 30 de abril, cobrando que o governo atue com rapidez para encontrar as 276 adolescentes sequestradas pelo Boko Haram na cidade de Chibok. Foto: Mohammed Lere/IPS

 

Grupos ativistas realizam hoje uma marcha até o escritório do presidente nigeriano, Goodluck Jonathan, onde apresentarão uma lista de reivindicações. Entre outras coisas, exigirão maior compromisso das autoridades com as famílias das meninas sequestradas e maior segurança nos redutos do Boko Haram, segundo a IPS conseguiu apurar. O grupo, cujo nome significa “a educação ocidental está proibida”, ataca com frequência escolas, símbolos do Estado, igrejas e mercados em sua campanha para criar um Estado islâmico.

O presidente Jonathan recebeu críticas generalizadas pela maneira como lida com a crise. A própria Nigéria foi acusada de não ter feito a campanha contra o Boko Haram com a seriedade suficiente até o sequestro das jovens de Chibok. “O governo e os militares deveriam reconhecer com sinceridade que os fundos destinados à defesa e à segurança não foram usados com o propósito de construir um exército capaz de fazer frente à ameaça do Boko Haram”, disse à IPS o analista Benson Eluma, do Instituto de Estudos Africanos na Universidade de Ibadan.

A cúpula de Paris foi o primeiro esforço público fora da África realizado para unir vários países contra o Boko Haram, que agora é considerado uma ameaça para a África ocidental e central. Os presidentes da Nigéria e de seus vizinhos, Benin, Camarões, Chade e Níger, se comprometeram a compartilhar informação de inteligência sobre o grupo, vigiar as fronteiras comuns e coordenar ações conjuntas, entre elas uma plataforma de inteligência que estará localizada no Chade. Atualmente a Nigéria mantém uma força militar multinacional na região da bacia do lago Chade, perto do Estado de Borno. Os soldados procedem de todos os países fronteiriços, com exceção de Camarões.

Um dos principais desafios de Abuja continua sendo sua frágil relação com Iaundé, que acumula décadas de atrito territorial. Camarões é visto pelo governo nigeriano como um esconderijo estratégico para os insurgentes que fogem das forças da ordem em território da Nigéria. Este país mantém um acordo com Níger e negocia outro com o Chade para permitir que as forças nigerianas cruzem para os países vizinhos em busca de rebeldes, mas não houve um entendimento semelhante com Camarões.

Apesar das limitações percebidas, espera-se que a cúpula de Paris seja um ponto de inflexão na luta contra o Boko Haram. “Demonstramos nosso compromisso com a adoção de um enfoque regional. Sem a união dos países da África ocidental não poderemos sufocar os terroristas”, afirmou Jonathan.

Pela primeira vez desde que começou a insurgência, há cinco anos, o presidente revelou o número oficial de mortes. Segundo Jonathan, cerca de 12 mil pessoas perderam a vida devido à crise, mais do dobro das cinco mil que se acreditava inicialmente. A cúpula, convocada pelo presidente da França, François Hollande, também tratou da preocupação de a África ser incapaz de resolver seus problemas.

O organismo continental, a União Africana, manteve silêncio sobre a crise do Boko Haram e as adolescentes raptadas. Entretanto, a Comunidade Econômica de Estados da África Ocidental, organismo regional, declarou sua determinação de lutar em conjunto contra o grupo terrorista.

Além da origem da assistência, toda decisão para chegar a uma solução duradoura contra o Boko Haram não pode se dar totalmente por meio da força militar bruta, afirmou Eluma, ressaltando que (o líder do grupo extremista) “Abubakar Shekau e o Boko Haram personificam tudo o que há de mal em nossa sociedade”, assegurou.

“Nosso ódio pela diferença, nossa discriminação contra as meninas e as mulheres, o Estado abominável da educação no país, a permeabilidade das fronteiras, a cumplicidade dos agentes do Estado no enfraquecimento estatal e da população, a instrumentalização política e social da violência na Nigéria… que nos torna vulneráveis a qualquer vento ruim que sopre de lugares distantes”, ressaltou Eluma. Envolverde/IPS