Nossa taxa real de juros é uma das mais altas do planeta! Isto faz com que os bancos brasileiros não precisem, para se rentabilizar, se aventurar por mercados de altíssimo risco, tal como ocorreu nos Estados Unidos e em alguns países europeus, e no Brasil os bancos possuem baixa alavancagem e operam num ambiente regulatório e fiscalizador que é benchmark mundial.
Desde o início do ano, temos presenciado alertas quanto aos riscos de estouro de uma possível bolha de crédito no Brasil. O crescimento acelerado do crédito no país, o alto comprometimento de renda do brasileiro com pagamento de dívidas e a escalada dos preços dos imóveis nos principais centros urbanos costumam ser elencados como sinais da existência desta bolha em terras brasileiras. Assim, mais cedo ou mais tarde, sucumbiríamos a uma crise tal qual vem ocorrendo no Hemisfério Norte.
Em primeiro lugar, o termo “bolha” não é, a rigor, adequado ao mercado de crédito pois, tecnicamente, “bolha” representa o descolamento significativo e prolongado do preço de algum ativo financeiro ou real dos seus fundamentos. Mas, como bolhas especulativas costumam ser precedidas por booms de crédito, acaba-se utilizando, alternativamente e com certa liberalidade, o termo “bolha”.
Esta associação entre boom de crédito e bolha especulativa foi justamente o que ocorreu com os Estados Unidos e com vários países da Europa Ocidental: um longo período de crédito farto gerando movimentos especulativos nos preços das residências. Mas, para que esta “tempestade perfeita” possa acontecer é preciso um combustível fundamental: a prevalência, por um tempo bastante razoável, de taxas reais de juros próximas de zero, ou até mesmo negativas. E é aqui que começam as diferenças entre a situação do mercado de crédito brasileiro daquilo que ocorreu no exterior. Nossa taxa real de juros é uma das mais altas do planeta! Isto faz com que os bancos brasileiros não precisem, para se rentabilizar, se aventurar por mercados de altíssimo risco, tal como ocorreu nos Estados Unidos e em alguns países europeus.
Outra grande diferença: no Brasil os bancos possuem baixa alavancagem e operam num ambiente regulatório e fiscalizador que é benchmark mundial. Lá fora, os empréstimos de alto risco evoluíram em um impressionante vácuo do ponto de vista regulatório e fiscalizador, disseminando o risco por meio de operações cruzadas com derivativos exóticos. Assim, a expansão do crédito no Brasil vem ocorrendo sob rigoroso monitoramento por parte da Autoridade Monetária, que não se furta em adotar medidas macroprudenciais para coibir certos excessos.
O setor imobiliário passou por quase vinte anos de letargia
Há quem diga que o mercado de veículos, fortemente influenciado pela expansão do crédito ao longo dos últimos anos, seria o subprime brasileiro. Outros enxergam na valorização dos preços dos imóveis a presença de uma bolha imobiliária no Brasil. Não é a visão que compartilhamos. No caso dos veículos, é fato que o preço de um zero quilômetro pode recuar pouco mais de 20% após o seu primeiro ano de uso, fragilizando a garantia do financiamento. Mas é por isto mesmo que, normalmente, se exige do comprador uma entrada mais ou menos equivalente, no ato do financiamento.
Quanto aos imóveis, as altas observadas de pouco mais de 100% em algumas regiões metropolitanas no país, ao longo dos últimos três anos, refletem o forte crescimento da demanda – induzida pelo elevado grau de confiança dos consumidores, pela ascensão das classes C e D, pelos impactos das novas regras introduzidas a partir de 2005 nos financiamentos imobiliários, pelo programa Minha Casa, Minha Vida – e que não tiveram a devida resposta, no tempo e na mesma intensidade, da oferta. Afinal, o setor imobiliário passou por quase 20 anos de letargia, caracterizados por baixo investimento em mão de obra, em produção de insumos e em bancos de terrenos. Quando a demanda aflorou, a oferta não conseguiu evoluir no mesmo ritmo e, por conta disto, os preços subiram. Logo, são os fundamentos – e não bolha – que explicam a alta dos preços das residências. Além disto, no caso dos imóveis, a maioria esmagadora é de compradores finais e, no Brasil, o refinanciamento de hipotecas praticamente não existe.
Uma última consideração: a inadimplência dos consumidores está crescendo pouco mais de 20% neste ano. Alguém poderia citar este fato como mais um sinal de bolha. Porém, se há bolha de crédito, a inadimplência sobe depois e não antes do seu estouro. Na verdade, a alta da inadimplência em 2011 se deve à aceleração da inflação no início do ano e não ao eventual estouro de bolha. Aliás, nossos indicadores antecedentes já apontam para uma estabilização da inadimplência ainda neste ano.
Em suma, não vislumbramos existir bolha de crédito no Brasil. Temos, sim, um movimento saudável de crescimento do crédito que, com a introdução do cadastro positivo, tem tudo para se tornar mais um case de sucesso perante a comunidade financeira internacional.
* Ricardo Loureiro é presidente da Serasa Experian e da Experian América Latina.
** Publicado originalmente no site Economia Interativa.