Roma, Itália, 19/6/2013 – Na última edição do informe Perspectivas Alimentares, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) prevê que “no futuro a quinua poderá ter um papel mais importante no sistema alimentar global, devido à sua capacidade de adaptação a diferentes regiões agroecológicas e às suas qualidades nutricionais superiores”. Este milenar pseudocereal andino ganhou recentemente popularidade mundial graças aos seus valores nutritivos. O governo da Bolívia, principal produtor mundial, conseguiu inclusive que as Nações Unidas declarassem 2013 Ano Internacional da Quinua.
No informe do dia 13, em antecipação à 38ª Conferência da FAO, que acontece em Roma, entre os dias 15 e 22, esta agência da ONU também estima que a demanda mundial continuará aumentando “com força nos próximos anos, impulsionada principalmente pelos países desenvolvidos, onde o gasto com alimentos naturais e mais saudáveis é uma tendência em alta”.
O “grão de ouro” é um alimento excepcional, com alto conteúdo de proteínas, superior ao do arroz, do trigo e do milho. Também contém oito aminoácidos essenciais e elevadas quantidades de ferro, cálcio, magnésio, potássio, fósforo e zinco. É facilmente digerida, tem pouca gordura e está livre de glúten. A crescente demanda mundial é uma boa notícia alimentar e econômica. Entretanto, revela perversidades típicas do mercado global de alimentos.
Segundo o escritório de estatísticas da FAO, no período 1992-2010, a área de colheita nos principais países produtores – Bolívia, Peru, Equador – quase duplicou, e entre 2005 e 2012 a produção cresceu oito vezes. Mas, em contraste com a popularidade da quinua entre consumidores de países industrializados, seu consumo na região andina continua relativamente baixo, pois sofre o estigma de ser “comida de pobre”, como disse Valeria Calamaro, ativista pelo comércio justo da organização Altromercado.
O boom da produção andina apresenta vários desafios. Como seu preço de exportação é alto, desloca outros produtos locais, convertendo-se em monocultura em terras montanhosas e frágeis do oeste boliviano. Também provoca uma contração da pecuária de camelídeos, como a lhama. Menos gado significa menos esterco, fertilizante orgânico de uso tradicional para preservar os solos nessas regiões.
“Diante da alta demanda mundial deste alimento, as práticas tradicionais foram abandonadas”, disse o agrônomo Vladimir Orsag, diretor do Programa de Pesquisa Estratégica da Bolívia e professor da Universidade Maior de San Andrés. “A fronteira agrícola se amplia nas zonas planas, ocupando espaços destinados à pecuária, que sempre foi uma atividade complementar para a agricultura”, acrescentou. Esta dinâmica não respeita os períodos de descanso da terra, “provocando erosão de solos, maior mineralização e perda acelerada de matéria orgânica, maior incidência de pragas e doenças nos cultivos e, por fim, queda da fertilidade e produtividade dos solos”, enfatizou Orsag, de La Paz, em entrevista por telefone à IPS.
Em outras palavras, se a demanda internacional continuar crescendo, como prevê a FAO, o cultivo de quinua não é sustentável nas condições atuais. O governo da Bolívia tem consciência destes problemas. Por um lado, estimula o consumo interno, buscando mudar os hábitos alimentares da população, e, por outro, tenta recuperar as técnicas agrícolas mais apropriadas. Dados oficiais mostram que, do total da produção nacional de 2012 (50.566 toneladas), só 24%, cerca de 12 mil toneladas, foi destinada ao consumo interno. O governo espera que este suba para 20 mil toneladas este ano.
O vice-ministro de Desenvolvimento Rural e Agropecuário, Víctor Hugo Vásquez Mamani, chefe da delegação boliviana na Conferência, admite que o boom da quinua provocou erosão. “Mas estamos recuperando as boas práticas agrícolas de nossos antepassados”, destacou Vásquez Mamani em entrevista à IPS. “Respeitamos mais os períodos de descanso da terra e praticamos o que chamamos complexo lhama-quinua, para obter adubos agrícolas e manter a riqueza dos solos”, afirmou.
Em sua opinião, o aumento do preço internacional não é determinante do consumo interno. “Os bolivianos do altiplano bebem muita cerveja, que é mais cara do que a quinua. Além disso, o consumo interno cresceu de maneira proporcional ao aumento da produção e das exportações”, pontuou Mamani. As autoridades continuam estimulando o consumo. “Estou convencido de que também comemos com os olhos. Para que as pessoas comam mais quinua temos que preparar os pratos de uma maneira mais apetitosa”, acrescentou. Envolverde/IPS