Rio de Janeiro, Brasil, 20/8/2012 – A política de pacificação das favelas do Rio de Janeiro, submetidos à violência de máfias da droga, pode servir para replicar alguns de seus elementos nos acampamentos de refugiados palestinos. Foi o que afirmou o italiano Filippo Grandi, comissário-geral da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA), em entrevista à IPS. Grandi convidou o Brasil a ser o primeiro país latino-americano e do grupo Brics a integrar a Comissão Consultiva da UNRWA.
No último ano e meio, o Brasil contribuiu com US$ 7,5 milhões para essa agência, disse Grandi durante sua visita oficial ao país, entre 13 e 17 deste mês, visitando São Paulo, Brasília, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Em abril esteve no Brasil a secretária-geral adjunta para Assuntos Humanitários da Organização das Nações Unidas (ONU), Valerie Amos, buscando apoio para operações no Haiti, Oriente Médio e na África. A seguir um extrato da entrevista exclusiva que Fabíola Ortiz fez com Grandi no Rio de Janeiro.
IPS: O orçamento da UNRWA depende de doações internacionais. Com é afetado pela crise financeira?
FILIPPO GRANDI: A UNRWA gasta cerca de US$ 1,2 bilhão por ano, sendo que metade corresponde ao nosso trabalho central: educação, saúde e alívio da pobreza. Temos um variação crônica entre 10% e 20% desse orçamento. As contribuições se mantêm estáveis, alguns doadores diminuíram, sobretudo Canadá e alguns países da Europa, enquanto outros aumentaram, como Brasil, Grã-Bretanha e Austrália, mantendo, mais ou menos, o equilíbrio. Contudo, as necessidades crescem, e este é o problema, porque as doações não aumentam no mesmo ritmo.
IPS: Quais necessidades aumentaram nos últimos anos?
FG: A população refugiada cresce 3% ao ano. Muito de nosso trabalho tem custos inflacionários. Temos 700 escolas que atendem 500 mil crianças, e o custo de manter esta operação vai aumentando. Hoje contamos 4,8 milhões de refugiados no Líbia, na Síria, Jordânia e nos territórios palestinos ocupados por Israel. Fornecemos serviços somente nessa região. A população mais numerosa se encontra na Jordânia, com dois milhões, e na Síria, com cerca de 500 mil pessoas.
IPS: Qual a situação dos refugiados na Síria?
FG: Está piorando porque o conflito já é generalizado e muito grande; afeta os civis, sejam sírios, refugiados palestinos ou iraquianos. Lamentavelmente, alguns morreram. Não são alvo das agressões, mas estão no meio e todas as partes cometem violações (de direitos humanos). Muitos sírios abandonaram o país, e estimamos que entre eles cerca de três mil palestinos também fugiram para o Líbano e a Jordânia. Ainda espero que o conflito seja resolvido para que possam regressar.
IPS: Como descreveria o estado geral dos palestinos que vivem no Oriente Médio sobre proteção da UNRWA?
FG: Depende de onde estão. Na Faixa de Gaza é muito difícil, porque está sob o bloqueio de Israel. Na Cisjordânia há problemas pela expansão dos assentamentos judeus. No Líbano existem dificuldades de direitos humanos, ali os palestinos carecem de alguns direitos fundamentais dos refugiados. Mas o problema essencial é que continuam sendo refugiados e que não há uma solução política para seu status. Estes são os refugiados que fugiram em 1948, que estão registrados junto à UNRWA e que aumentaram em número porque tiveram descendência.
IPS: Esta é sua primeira viagem ao Brasil. Como o país pode contribuir com a UNRWA?
FG: A cooperação principal temos por parte do governo federal. No ano passado, essa assistência aumentou e conversei com o chanceler, Antonio Patriota, sobre como torná-la mais previsível e estável nos próximos anos. Também mantive reuniões com autoridades locais e organizações da sociedade civil de São Paulo, Porto Alegre, Brasília e Rio de Janeiro, em especial com a comunidade árabe. Definimos várias áreas interessantes para cooperar em saúde, trabalho social com jovens e educação. Agora tentaremos desenvolver projetos com diferentes instituições e setores da sociedade brasileira.
IPS: O senhor disse no Rio de Janeiro que vê semelhanças entre as favelas e os acampamentos de refugiados. A experiência de pacificação das favelas cariocas pode ser adaptável às problemáticas dos acampamentos?
FG: Há semelhanças: a pobreza generalizada, superlotação, grande quantidade de jovens e às vezes a presença da violência. Naturalmente, também há diferenças. As favelas não estão em territórios ocupados, com acontece com os acampamentos da Cisjordânia e de Gaza. As favelas também não estão em meio à guerra. Mas as políticas sociais que Brasília aplica nas favelas podem ser estudadas e delas se extrair lições para melhorar nosso trabalho, em especial com a juventude, nos acampamentos. São interessantes outros aspectos do processo de pacificação em matéria de emprego e educação. Entendo que houve uma fertilidade recíproca entre este programa de pacificação e o trabalho de cooperação que o Brasil fez no Haiti, o que mostra que esta política tem potencial para sua projeção internacional.
IPS: O Brasil poderia ocupar um lugar na Comissão Consultiva da UNRWA, de 25 países membros e três observadores?
FG: O governo brasileiro deve solicitar sua entrada e a Assembleia Geral da ONU deve aprová-la. A prática indica que o país deve contribuir com US$ 15 milhões durante três anos. O Brasil já o fez com US$ 7,5 milhões no último ano e meio. Propus ao chanceler Patriota que seu país solicite sua entrada. Sua resposta foi que o Brasil está interessado, mas deve analisar as implicações financeiras. Seria o primeiro país latino-americano e dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) a integrar a Comissão Consultiva. Pois de longe é o principal contribuinte do Brics para a UNRWA. Porém, trata-se de uma decisão que o governo deve tomar com toda liberdade.
IPS: O Brasil tem condições de receber refugiados palestinos se for necessário?
FG: Espero que continue sendo um país que recebe refugiados, mas minha esperança é que não haja necessidade de realojar mais palestinos.
IPS: Embora o conflito do Oriente Médio tenha dimensão internacional. O Brasil está muito distante dele geograficamente. Qual seria seu papel?
FG: Este não é um conflito menor, é central para nossa história e para o mundo de hoje. O Brasil é uma potencial mundial; talvez os brasileiros não apreciem plenamente, mas sua economia, sua importância política, sua capacidade de influência internacional cresceram muito e, portanto, espero que continue participando das tentativas de solução para o Oriente Médio. Além disso, possui vínculos tradicionais com o Oriente Médio por suas comunidades árabes. Ajudar os refugiados por meio da UNRWA é uma das formas de exercer essa influência positiva. Envolverde/IPS