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Brasil em risco de contrarreforma agrária

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Camponesas trabalhando no assentamento Nova Conquista no Estado do Maranhão.
Rio de Janeiro, Brasil, 25/4/2011 – No Brasil ocorre um processo de “contrarreforma” agrária, disse o ativista João Pedro Stédile, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Segundo Stédile, a reforma agrária sofreu uma paralisação nos últimos anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ao mesmo tempo em que se agravou a concentração da propriedade da terra. No último período do governo Lula, muitos processos de expropriação de latifúndios ficaram parados na justiça.

Além disso, “a crise internacional do capitalismo teve um efeito contrário no Brasil, já que, para se protegerem, os capitalistas internacionais correram para o país a fim de investir na compra de terras e em projetos energéticos”, disse o dirigente do MST. Para Stédile, dessa forma, foi gerada uma “lógica perversa” na agricultura, que disputou a compra de latifúndios improdutivos e acabou por concentrar mais a propriedade. “Existe um processo de contrarreforma agrária no Brasil”, ressaltou.

Os dados oficiais mais recentes datam de 2006, quando foi realizado o censo agropecuário, divulgado em 2009, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que nas últimas duas décadas persistiu quase inalterada a concentração da propriedade agrária. Segundo o IBGE, enquanto os estabelecimentos rurais com menos de dez hectares ocupavam 2,7% da área agropecuária, as fazendas com mais de mil hectares concentravam 43% do total.

Cerca de 5,2 milhões de propriedades agropecuárias ocupavam 36,7% do território nacional. “A concentração agora é maior do que em 1920, quando estávamos recém-saídos da escravidão. Esperamos que o governo de Dilma Rousseff mude a política agrária, e que comece pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), órgão federal responsável por coordenar a divisão de terras e os assentamentos”, disse Stédile à IPS.

Neste mês de abril, o MST busca recolocar na agenda política a reforma agrária, esquecida na campanha eleitoral de 2010, que culminou com a eleição de Dilma. A cada ano, o “abril vermelho” marca o aniversário do massacre de Eldorado dos Carajás, cometida no Estado do Pará, no dia 17 de abril de 1996, quando 19 camponeses foram assassinados pela Polícia Militar durante uma mobilização de 1.500 trabalhadores rurais desarmados que protestavam contra a lentidão na expropriação de grandes latifúndios improdutivos.

Assim, abril se transformou no período anual em que o MST se dedica a uma campanha de demandas sobre distribuição de terras em Brasília, além de protestos em mais de 20 Estados e cem ocupações de latifúndios. O MST assegura ter 20 mil membros em todo o Brasil e atuar junto a 60 mil famílias camponesas na pressão pela divisão de terras.

Este mês, além disso, Celso Lisboa de Lacerda assumiu como novo presidente do Incra. Este engenheiro agrônomo disse que tentará mudar no imaginário popular a ideia de que reforma agrária é sinônimo de conflitos e buscará desenvolver um mecanismo de produção de alimentos nos assentamentos. “O grande desafio continua sendo resolver a questão da reforma agrária, e o combate à pobreza extrema no campo é uma missão importante. No começo do mandato do presidente Lula, houve um contexto para a reforma que, até então, era apenas uma mera distribuição de terra”, disse Lacerda à IPS.

Com uma trajetória de inserção nos movimentos sociais, Lacerda defende a participação de entidades como o MST na construção de políticas públicas e em “um diálogo franco, sincero e transparente, sem criar ilusões”. Em seu primeiro ano de gestão, pretende criar metas e estruturas de monetarização e controle das políticas, além de ampliar o tamanho do Incra, que hoje conta com 30 superintendências e cerca de seis mil funcionários.

Ainda insuficiente, o orçamento do Instituto para 2011 é de R$ 4 bilhões. O presidente do Incra reconhece a morosidade da expropriação de terras improdutivas, destinadas à reforma agrária. “É um processo muito precário, complexo e de disputas. Às vezes, as propriedades ficam sob julgamento por 15 anos. Fazemos o que é possível, esta é a verdade nua e crua”, admitiu Lacerda.

Atualmente, cem mil famílias vivem em acampamentos informais à espera de terras e cerca de 500 mil já foram assentadas, segundo dados do MST. Mas o movimento afirma que, em todo o Brasil, com cerca de 190 milhões de habitantes, vivem mais de quatro milhões de famílias sem terra.

Stédile criticou a “inoperância” do Incra, agravada por casos de corrupção que surgiram nas superintendências. Em conversa com a IPS no Rio de Janeiro, o líder do MST destacou que o governo de Dilma Rousseff pode abrir uma brecha para que a entidade se revigore. “Nos últimos três anos, o Incra se transformou em um órgão inoperante, ineficaz e com graves casos de corrupção. A maioria dos superintendentes foi nomeada por correntes partidárias. Temos esperança de que Dilma cumpra o compromisso social e com a formação técnica”, afirmou Stédile.

Os movimentos sociais também veem com esperança a prioridade no combate à pobreza, definida pela presidente. Para Stédile, “combater a pobreza no meio rural é ter o direito de acesso à terra. Não se trata apenas de resolver problemas pontuais de emergência. Temos que conceber outro programa de reforma agrária que combine, ao mesmo tempo, expropriação, instalação de agroindústrias e universalização da educação”. Envolverde/IPS