Rio de Janeiro, Brasil, 7/3/2012 – Oscilando entre a necessidade de atrair profissionais qualificados, para enfrentar o desafio de seu crescimento econômico, e sua tradição de acolher estrangeiros por razões humanitárias, o Brasil tenta desenhar uma política migratória que não vá contra seu passado e impulsione seu futuro. Emigrar não foi fácil para a portuguesa Vera Sardinha, psicopedagoga e filósofa especializada em mercado, desempregada em seu país. “Fiz perguntas, pesquisei sobre o Brasil e o Rio de Janeiro, fiz uma mala com roupas e vim em busca de emprego”, contou à IPS esta mulher de 31 anos que escolheu este país por integrar o Brics, grupo de economias emergentes que também tem Rússia, Índia, China e África do Sul.
Porém, com visto de turista não há emprego, e conseguir trabalho é complicado, mesmo para alguém originário de um país como Portugal, com história e cultura comuns. “É preciso demonstrar que se tem capacidade que nenhum brasileiro tem. Se no Brasil alguém pode fazer o mesmo, não me concedem o visto”, afirmou Vera. Após muitas idas e vindas, conseguiu demonstrar sua experiência em empresas multinacionais “com perspectiva global”, frente a colegas brasileiros, conseguiu o visto e trabalha em uma companhia portuguesa de soluções tecnológicas para televisão.
“Isso de conseguir trabalho fácil no Brasil é uma ilusão. Também depende da formação. Um advogado não deve nem tentar, já engenheiros e economistas conseguem fácil”, explicou Vera. Estes são profissionais para os quais o governo voltou seus olhos. A Secretaria de Assuntos Estratégicos elabora uma nova política de imigração, destinada a atrair jovens profissionais “altamente qualificados” e restringir o fluxo dos não formados.
Seu coordenador, Ricardo Paes de Barros, disse ao jornal O Globo que,para esse tipo de profissional, seriam eliminados os obstáculos impostos em 1980 no vigente Estatuto do Estrangeiro, durante a ditadura militar (196401985). “Como agora o Brasil é uma ilha de prosperidade no mundo, há muitos profissionais de boa qualidade que querem vir para cá. Contudo, a fila para o visto é igual para todos. Estamos olhando clinicamente para ver quem nos trará tecnologia”, afirmou Ricardo.
A iniciativa, não anunciada oficialmente, seguiria o modelo do Canadá e da Austrália, de amplitude para profissionais e empresários e restrição para os demais, e está baseada em estudos governamentais e demandas das empresas que evidenciam um déficit de mão de obra qualificada na agora sexta economia do mundo. O estatuto atual tem múltiplas diferenças para as autorizações de residência permanente e temporária, e os vistos de trabalho, segundo a procedência dos estrangeiros, e outros elementos, como a disponibilidade de trabalhadores locais em cada setor. Além disso, estabelece visto por razões humanitárias e o de refugiado.
“A principal diferença entre o expatriado de hoje e o imigrante do passado é que agora, para justificar sua presença no país, tem que agregar valor a uma empresa”, resumiu à IPS o italiano Gaetano Francini, vice-presidente da filial de uma multinacional de televisão digital. Maurício Santoro, analista político da Fundação Getulio Vargas (FGV), é neto de imigrantes italianos que eram “camponeses com pouca educação”, como muitos dos que vieram na primeira metade do Século 20. Hoje, no entanto, os imigrantes europeus costumam ter nível universitário, mestrado e doutorado, sem oportunidade de emprego em seus países, disse à IPS.
“Pensam que o Brasil é uma terra de muitas oportunidades de crescimento e desenvolvimento, e onde há demanda de mão de obra qualificada. Aqui há necessidade de técnicos, engenheiros, cientistas, e as escolas brasileiras não podem formar tantos profissionais”, destacou Gaetano. Estudos oficiais confirmam que há um déficit de 200 mil a 400 mil profissionais qualificados, acentuado pela expansão do Brasil em áreas como petróleo, mineração e tecnologias da informação.
Essa demanda também está determinada pelas grandes obras comprometidas para o Mundial de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, e pela construção de grandes centrais hidrelétricas, para atender uma expansiva demanda energética. “Em meu setor, o mercado hidráulico, o Brasil é o número um do mundo”, destacou à IPS o engenheiro hidráulico francês Yann Chachreau, de 26 anos, que, no entanto, não consegue emprego. Outro estudo da FGV indica que no setor das tecnologias da informação faltarão 800 mil profissionais até 2014.
Em uma primeira etapa, a nova política migratória brasileira buscaria captar profissionais da Europa, onde o desemprego entre os jovens atinge níveis históricos. Da Espanha, por exemplo, em 2011 chegaram 45% mais imigrantes do que em 2010. No final de 2011, o Brasil passou a contar com dois milhões de estrangeiros em situação regular, segundo dados oficiais, o equivalente a 1% de seus mais de 198 milhões de habitantes. Também haveria 600 mil estrangeiros sem documentos legais, conforme dados não oficiais. Na vizinha Argentina, os estrangeiros em condição regular representam 14% da população total, e nos Estados Unidos chegam a 13% do total de habitantes, mais outros 3% de ilegais.
No entanto, o que chama a atenção no Brasil é o acelerado aumento de imigrantes. O governo informou que os estrangeiros aumentaram em 50% no ano passado, e que foram expedidos 32% mais vistos de trabalho, em relação a 2010. Assim, pela primeira vez em duas décadas, em 2011 a balança migratória teve saldo positivo, e o Brasil recuperou sua tradição histórica de país receptor, quebrada pela precariedade socioeconômica interna.
A China, atualmente principal sócio comercial e investidor estrangeiro no Brasil, foi o país que mais solicitou visto de trabalho, seguido de Estados Unidos, Portugal, França e Espanha. “Com relação a cem anos atrás, quando os imigrantes eram pobres, agora é uma expatriação global ou intelectual”, explicou à IPS o engenheiro italiano de 34 anos, Cesare Simone, que trabalha no escritório brasileiro de uma firma francesa.
Enquanto para essa imigração “global ou intelectual” se prepara uma entrada sem os obstáculos burocráticos atuais, as fronteiras começam a se fechar para as pessoas sem qualificação profissional, em sua maioria pobres. “É necessário definir até onde irá nossa generosidade. Como vamos contribuir para aliviar a pobreza no mundo e absorver essas pessoas. A solidariedade tem que ter um limite dentro do que o Brasil pode ajudar”, explicou Ricardo no O Globo.
É o caso dos imigrantes haitianos, que desde 2010 chegam ao país pelas fronteiras dos Estados do Acre e do Amazonas, fugindo da fome. O Brasil lidera uma missão de paz das Nações Unidas no Haiti e é visto como um novo destino do êxodo haitiano. O governo estabeleceu, em janeiro, que mais de quatro mil haitianos chegados nos dois últimos anos serão legalizados. Porém, a partir de agora somente concederá cem vistos mensais para novos imigrantes dessa procedência. Além disso, reforçará as fronteiras para evitar a intermediação ilegal dos chamados “coiotes”.
O Comitê Nacional para os Refugiados considera que os haitianos não se enquadram nessa categoria, mas na de imigrantes. Porém, até agora lhes era concedida a permanência por razões humanitárias. “Quando vejo estes haitianos que querem entrar no Brasil me recordo da história da minha família e penso que, se a nova lei estivesse em vigor nos tempos dos meus avós, eles não poderiam ter vindo para cá”, ponderou Santoro.
Por isso, para o neto daqueles imigrantes quase analfabetos e hoje um dos mais promissores cientistas políticos do país, o Brasil tem um desafio de direitos humanos, além de econômico e tecnológico. “Não podemos cometer aqui o mesmo erro que cometeram Europa e Estados Unidos, fechando as portas para as pessoas pobres que também querem vir trabalhar”, resumiu. Envolverde/IPS