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Brasil já sente os problemas do salva-vidas chinês

Dutos para transporte de grãos no Porto de Suape, no Nordeste. Ao fundo, o maior moinho de farinha de trigo do Brasil, da empresa Bunge. Foto: Mario Osava/IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 29/3/2012 – Na última década, a China passou a ser o primeiro sócio comercial e investidor estrangeiro do Brasil. Mas esta aparente tábua de salvação em tempos de crise global poderia acentuar velhos problemas da maior economia da América Latina. Em 2009, a China roubou dos Estados Unidos o título de maior sócio comercial brasileiro. Apenas dois anos depois, o intercâmbio comercial subiu para US$ 77 bilhões, com saldo favorável ao Brasil de US$ 11,5 bilhões.

Esse foi um salto “brutal”, segundo o diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC), Kevin Tang, se for tomado com base o ano de 2000, quando o comércio entre os dois países chegava a apenas US$ 2,5 bilhões. Pequim também começou a investir alto no Brasil, uma tendência que se repete no Chile e em outros países da América Latina. Um estudo da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) mostra, inclusive, fluxos de investimentos maiores do que os dados oficiais.

Segundo o Banco Central do Brasil, os investimentos estrangeiros diretos procedentes da China somaram US$ 3 bilhões entre 2005 e 2011. De acordo com os números oficiais obtidos pela Apex-Brasil, o fluxo de investimentos em setores produtivos entre 2009 e 2011 foi de aproximadamente US$ 17 bilhões, contando recursos canalizados através de Hong Kong e outras vias indiretas.

Tanto no que compra quanto no que investe, o interesse da China é o mesmo que a levou a aumentar sua presença em outras regiões. Com população de 1,3 bilhão de pessoas (a maior do mundo), tem uma avidez crescente por matéria-prima e busca garantir para o futuro seu abastecimento básico com uma dependência mínima de importações de um único país.

O estudo da Apex-Brasil “A internacionalização da economia chinesa, a dimensão do investimento direto”, diz que os investimentos “começaram a se intensificar no período pós-crise financeira global”, concentram-se em setores intensivos de recursos naturais como petróleo e siderurgia. A crise financeira global, que se estende desde 2008, não freou esse processo. Ao contrário, “é possível sugerir que a crise tenha criado a oportunidade de aquisição de ativos depreciados”, analisa o estudo divulgado este mês.

A maioria dos investimentos chineses no Brasil “busca estabelecer ofertas para exportação ao seu país de produtos básicos dos quais somos grandes produtores, como soja, minério de ferro e petróleo”, disse à IPS o economista Rodrigo Branco, da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). Os meios que a China tem para obter esses produtos se baseiam em quatro estratégias, segundo Branco.

Primeiro, a assinatura de contratos e termos de compromisso com empresas brasileiras abastecedoras, a fim de estabelecer quantidades de bens exportáveis ao longo de um determinado período. Segundo, a criação de empresas de risco compartilhado (joint venture) entre sócios chineses e brasileiros para exportação ou produção de certos bens. Terceiro, a compra, ou fusão, de empresas brasileiras por parte de companhias chinesas. Quarto, aquisição de propriedades para produzir, sobretudo, bens agrícolas.

“O principal motivo de investir no Brasil ainda é a obtenção de quantidades regulares de produtos básicos para abastecer sua demanda crescente”, afirmou Branco. Além das matérias-primas, há outros setores que atraem o interesse chinês, como o automobilístico. Além de enviar veículos para o Brasil, a China também poderia construir fábricas no país. “No entanto, este não é o foco dos investimentos chineses”, acrescentou.

Dados da CCIBC reforçam o conceito que a China tem da “internacionalização” neste país sul-americano. As exportações brasileiras para a China são lideradas pelo minério de ferro (45% das vendas em 2011), soja (25%), petróleo (11%), e “finalmente alimentos”, disse Tanga à Agência Brasil de notícias. Tang não descartou outros setores de interesse futuro nos quais a China também está investindo, como a energia.

O vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior, Augusto José de Castro, afirmou à IPS que o objetivo nessas áreas é melhorar as condições e baratear os custos de exportação. Castro interpreta do mesmo modo o aumento dos empréstimos de bancos estatais chineses à região, que somam US$ 75 bilhões desde 2005, em momentos nos quais as fontes de crédito escasseiam devido à crise financeira global, e pelas dificuldades específicas de obtê-los que têm países como Argentina, Venezuela e Equador. “Infelizmente, temos uma dependência muito grande da China”, ressaltou.

“A China registrou aumento no déficit comercial mensal. É um fato novo que ninguém esperava. Os chineses podem conter este déficit ou estimular suas exportações. Se isto ocorrer, vão desalojar os países que já vendem para o mercado externo, como o Brasil”, alertou Castro em uma conferência organizada pela Fundação Getúlio Vargas. Em sua opinião, a única maneira de reverter este panorama é negociar com a China a compra de produtos manufaturados brasileiros, e não apenas de matérias-primas.

“É evidente que, mantendo o rumo atual, a integração com a China aprofunda a dependência latino-americana da velha estrutura agroexportadora”, explicou à IPS o economista Adhemar Mineiro, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e assessor da Confederação Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas.

Segundo Mineiro, salvo algumas variantes, a estrutura de comércio com a China replica o modelo que existe com Europa e Japão, no qual o Brasil é vendedor de produtos básicos agrícolas, minerais e energéticos, e comprador de manufaturas e outros bens industriais. “Se o crescimento das relações com a China seguir esse padrão, significará uma maior e nova dependência”, alertou.

Em geral, os governos latino-americanos deveriam buscar alternativas para não “aprofundar a estrutura de relações econômicas que existem hoje com a China”, recomendou Mineiro, acrescentando que “o modelo primário-exportador mostrou historicamente na América Latina sua característica de concentração de renda, riqueza e poder nas mãos de poucos, o que contrária a busca de opções de aprofundamento da democracia e de distribuição de renda na região”.

Uma advertência semelhante foi feita em 2010 pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
A presença da China se percebe também na introdução gradual de sua moeda, o yuan, por meio de empréstimos.

Esse fato poderia ter influência na economia regional dependendo do volume de negócios nessa moeda, segundo o economista. Contudo, “a questão é que reduz ainda mais o poder econômico do Brasil para negociar com os chineses, em um momento em que vários setores industriais enfrentam dificuldade na competição com produtos chineses”, como calçados, têxteis, vestuário e componentes eletrônicos, destacou.

Branco alertou para o risco futuro de fixar quantidades para vendas à China diante da possibilidade de mudanças no cenário externo que afetem a volatilidade dos preços. “Se isto ocorrer, poderia haver mudanças de interesses na manutenção de contratos e na intenção dos investimentos, o que afetaria o efeito multiplicador desses investimentos na economia brasileira”, ressaltou o economista.

Segundo Branco, o problema é que não se pode esperar que os investimentos chineses garantam por si só a mudança do perfil exportador para produtos com maior valor agregado. “Se há rentabilidade de bens básicos, logicamente haverá maior interesse de investir neles, seja por parte de estrangeiros ou de brasileiros”, afirmou. O Brasil deve melhorar as condições internas para seu crescimento industrial exportador.

O informe da Apex-Brasil ratifica que o rumo estratégico da China – apostar em países ricos em recursos naturais – é o mesmo na América Latina e outras regiões do Sul em desenvolvimento, como África e Oriente Médio. O volume de intercâmbio comercial entre a região latino-americana e a China passou de US$ 12 bilhões em 2000 para US$ 188 bilhões em 2011. Envolverde/IPS