Participei, de 6 a 10 de julho, da nona edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty. Ouço dizer que, no Brasil, há cerca de 80 eventos literários por ano. Eis uma boa notícia.

Quem lê aprende a pensar, discernir, optar e escrever. A TV mostrou, há dias, jovens diplomados na universidade, versados em inglês, porém reprovados em exames de seleção profissional por não saberem dominar o próprio idioma português. Numa simples carta, erros gritantes de ortografia e concordância!

A Flip ainda é cara nos preços dos ingressos, da hospedagem e da alimentação em Paraty. Ainda bem que, em torno dela, se multiplicam os eventos alternativos, todos gratuitos. Isto permite um contato mais direto entre leitores e autores.

Na conferência de abertura, uma dupla de peso: Antonio Candido e José Miguel Wisnik. Falaram sobre a vida e obra de Oswald de Andrade.

Antonio Candido, como único intelectual vivo que conheceu o autor de Serafim Ponte Grande, descreveu-o mineiramente, amenizando a virulência com que Oswald de Andrade atacava autores em suas críticas literárias, sem poupar ênfase na cor da pele e até na deficiência física de alguns escritores. Mas sublinhou que o homenageado jamais guardava mágoa, e foi capaz de tomar a iniciativa de se reconciliar com o próprio Antonio Candido, após esculhambá-lo num texto crítico.

Wisnik, intelectual de múltiplos talentos, que trafega com autoridade entre literatura e música, fez uma descrição mais erudita das ideias de Oswald de Andrade.

Meu primeiro contato com a obra de Oswald de Andrade foi em 1966, quando José Celso Martinez Corrêa, diretor do Teatro Oficina, me convidou para assistente de direção na montagem de O rei da vela. A peça me parece melhor que o texto. Marcou o ápice do movimento tropicalista, uma forma irreverente de reação à ditadura militar.

Tentei gostar dos demais livros de Oswald de Andrade. Não consegui. Considero-os anárquicos demais para o meu gosto. Penso que o autor causou mais furor que os próprios livros. Talvez seja esta a razão por que Candido e Wisnik realçaram o homem e suas ideias e deixaram de lado a obra dele.

Aplaudi entusiasmado a dupla Bartolomeu Campos de Queirós e Ana Maria Machado, na mesa do Movimento Brasil Literário. Bartô frisou que a escola não educa, adestra. Cobrativa, impede os alunos de usufruírem da liberdade que a literatura requer. Não há leitura proveitosa se o objetivo do professor é conferir o quanto e o como se leu. Não é por acaso, lembrou ele, que alunos castigados são, às vezes, remetidos à biblioteca…

A biblioteca deve ser o espaço de diálogo e não apenas de consulta, sugeriu Bartô. O livro não é apenas um texto que se lê, é também um texto que lê o leitor, dialoga com ele, muda sua ótica da vida, interpela e faz sonhar. “Não há problemas novos na vida humana. Há, sim, novas maneiras de encarar os mesmos problemas”, acentuou o autor do romance Vermelho amargo.

Em 2010, o Brasil contou com 27 milhões de alunos no ensino fundamental. Destes, 15 milhões (39%) frequentavam escolas desprovidas de bibliotecas. Nossas escolas têm, em média, 0,16 computador por aluno (ou um computador para cada 6,25 estudantes). Entre 38 países pesquisados, o Brasil é o último em inclusão digital nas instituições de ensino. E metade dos estudantes não tem computador em casa.

Falta ao nosso país uma política de inclusão digital sustentável. Não basta dotar a escola de computador e conexão à internet. É preciso também uma proposta pedagógica para o bom uso da rede virtual, de modo a impedir a dispersão na coleta de dados e a formação de síntese cognitiva, pela qual os estudantes consigam relacionar o que apuram na rede.

O papel da literatura é ampliar o nosso campo de visão, aprofundar nossa consciência crítica e dilatar nosso potencial onírico. Viver sem sonhar é mero sonambulismo.

Atraiu meu interesse, na Flip, o debate entre o neurocientista Miguel Nicolelis e o filósofo da religião Luiz Felipe Pondé. O primeiro, otimista; o segundo, cético, iconoclasta.

Nicolelis investiga a capacidade de o cérebro comandar aparelhos, de modo a mover membros mecânicos de um tetraplégico.

Festas e feiras literárias são sempre espaços democráticos ao caldeirão de ideias e opiniões. Tomara que elas se multipliquem Brasil afora.

* Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Domenico de Mais, de Diálogos criativos (Sextante), entre outros livros.

** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.