No dia 2 de agosto, em meio a novos capítulos da crise econômica que afeta sobremaneira os Estados Unidos e a Europa, o governo Dilma lançou um pacote de medidas rotulado de Plano Brasil Maior.

Trata-se da nova política industrial, tecnológica, de serviços e de comércio exterior para o período 2011-2014. Guido Mantega, o ministro da Fazenda, declarou que a iniciativa era uma resposta à concorrência predatória estrangeira. Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, referiu-se ao plano como mecanismo de defesa do mercado interno.

As medidas anunciadas teriam como objetivo elevar a competitividade dos produtos nacionais, por meio do incentivo à inovação e à agregação de valor à produção brasileira.

Além de várias projeções de elevação dos investimentos fixos, aumento do gasto em pesquisa e desenvolvimento, melhor qualificação dos trabalhadores industriais e utilização das compras governamentais para incentivo e fortalecimento de fabricantes nacionais das áreas de saúde, defesa, têxtil, confecções, calçados e de tecnologia da informação, o ponto central e mais consistente, em termos objetivos, se volta para medidas de caráter fiscal.

O Plano também prevê novas medidas para o setor automotivo, com benefícios voltados para a produção de veículos e autopeças, ainda em discussão, como contrapartida de metas de investimento, transferência de tecnologia, emprego e agregação de valor.

Desoneração tributária do IPI incidente sobre bens de investimento, redução gradual do prazo para devolução dos créditos do PIS-Pasep/Cofins sobre bens de capital, e, principalmente, a desoneração total da folha de pagamento dos setores de confecções, calçados, móveis e softwares são as medidas de maior impacto que podemos destacar.

A desoneração total da folha de pagamentos desses setores será substituída por uma contribuição de 1,5% sobre o faturamento dessas empresas, excetuando-se às do setor de tecnologia de informação, que ficam com uma alíquota de 2,5%. A medida é considerada experimental, vigorando até 2012, quando seria reavaliada. O governo se compromete nesse período a compensar com transferências do Tesouro para a Seguridade Social os eventuais prejuízos que essa mudança poderá acarretar nos recursos da área.

Trata-se na verdade de precedente extremamente perigoso. Mais uma vez, e paradoxalmente aos discursos oficiais e oficiosos que insistem em apontar a existência de um suposto déficit previdenciário, a bondade fiscal ficará por conta dos recursos que deveriam estar sendo destinados para as áreas da saúde, da assistência social e da própria previdência.

Mais grave ainda é a própria eficácia das medidas anunciadas, frente aos proclamados objetivos de defesa da indústria nacional, elevação da competitividade dos produtos brasileiros e maior grau de inovação tecnológica de nossa indústria.

O grande problema é que não se pode desvincular esse presente plano dos seus antecessores: PITCE (Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior), em vigor de 2003 a 2007, e PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo), entre 2008 e 2010.

Faço esse destaque, pois foi nesse período recente que observamos – apesar de todas as declarações sempre otimistas das nossas autoridades – um forte processo de redução do peso da indústria de transformação no conjunto da produção brasileira e, também, no total das exportações do país. Entre 2002 e 2010, de acordo com o IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), a participação da indústria de transformação no PIB reduziu-se de 18% para 16%.

Estudo recém-concluído do professor Reinaldo Gonçalves, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por sua vez, aponta que, entre 2003 e 2010, a substituição de produção nacional por importados na indústria foi acentuada, com a tarifa média aplicada sobre importados caindo de 10,9% para 9,2%.

Nesse período, o coeficiente de penetração das importações na indústria de transformação é crescente, aumentando de 11% para 16,4%, a participação dos produtos manufaturados no valor total das exportações cai de 56,8% para 45,6%, ao mesmo tempo em que a participação dos produtos básicos se eleva de 25,5% para 38,5%. Nesse estudo (Governo Lula e o Nacional-Desenvolvimentismo às Avessas), Reinaldo Gonçalves pondera que esses resultados são influenciados pela explosão dos preços das commodities nesse período. Contudo, ele mesmo destaca que a participação dos produtos altamente intensivos em tecnologia reduz-se de 13,1% para 8,1%, enquanto produtos das indústrias de média-baixa tecnologia aumentam a sua participação de 21,7% para 25,1%.

A grande questão que o governo não admite encarar é que o principal vetor negativo que impacta a nossa indústria é a própria política econômica em vigor, que favorece amplamente a desnacionalização produtiva e a mudança do perfil da nossa indústria, crescentemente montadora de peças e componentes importados.

Frente à incapacidade política do governo de alterar os perversos efeitos que essa política gera sobre a taxa cambial, sobre a taxa de juros e sobre a política fiscal, com a assombrosa e crescente carga de despesas financeiras, mais uma vez medidas paliativas e de resposta emergencial às pressões de alguns setores industriais são anunciadas. São esses efeitos que deveriam ser enfrentados, por meio de uma nova política econômica, impossível de ser assumida pelo governo, em decorrência de seus compromissos com o modelo econômico defendido por bancos e transnacionais.

Além disso, há uma emergência em curso, como consequência dos desdobramentos da crise internacional. Com a paulatina diminuição do saldo comercial do país desde 2007, acentuada a partir de 2008 – ao mesmo tempo em que a conta de serviços, puxada pela remessa de lucros e dividendos, não para de crescer –, a “guerra comercial” já denunciada pelo ministro da Fazenda poderá fazer com que tenhamos ainda mais dificuldades pela frente.

É nesse sentido que entendemos que, frente à concorrência predatória, também denunciada pelo ministro, o governo mais uma vez apele para medidas espúrias de competitividade, que, mais uma vez, muito pouco efeito sistêmico vão produzir.

* Paulo Passarinho é economista e membro do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.

** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.