Rio de Janeiro, Brasil, 1/7/2013 – O processo de integração latino-americana tende a se bifurcar entre Mercosul e Aliança do Pacífico, mas não é um destino inevitável e imposto pela geografia, afirmam especialistas. A Aliança do Pacífico, que reúne Chile, Colômbia, México e Peru, “abre novas perspectivas para a América Latina”, inclusive de uma integração mais equilibrada, disse o sociólogo peruano Enrique Amayo, professor da Universidade Estadual Paulista, em Araraquara, interior de São Paulo.
O Mercosul (Mercado do Sul), formado por Argentina, Brasil, Uruguai, Venezuela e Paraguai (este ainda suspenso), é um “bloco fechado, no qual o tamanho do país decide tudo”. O Brasil sempre quis impor suas regras aos demais, dificultando acordos, afirmou o acadêmico de história econômica e de estudos internacionais latino-americanos. Assim, o surgimento de uma associação de quatro economias importantes, com uma localização geográfica vantajosa na costa do Pacífico, estabelece “um equilíbrio de poder na América do Sul e na América Latina”, favorecendo “negociações horizontais, ao dar um sentido de realidade” ao Brasil e ao Mercosul, apontou Amayo.
Isso poderia beneficiar uma aproximação entre os dois blocos, em condições de igualdade, sem “lideranças não eleitas nem líderes informais carismáticos”, pontuou Amayo. Porém, os atuais problemas do Mercosul tornam isto improvável. O Brasil teria que “mudar sua visão da integração regional”. Porém, não o fará com o atual governo de Dilma Rousseff, deixando, assim, de aproveitar “oportunidades dinâmicas” que os países do Pacífico oferecem, como Peru ou Colômbia, cuja economia cresce hoje muito mais do que a brasileira, afirmou José Botafogo Gonçalves, embaixador brasileiro aposentado.
O Mercosul respondeu às necessidades brasileiras “no contexto histórico” dos anos 1980 e 1990, quando se esgotou o ciclo de substituição de importações, o país enfrentava uma grave crise financeira e foi forçado a superar o isolamento de seu mercado interno. A abertura comercial tinha sentido. Começou com a Argentina em 1988 e ampliou para Paraguai e Uruguai ao criar-se o bloco, em 1991, “um passo importante para a indústria e a agricultura” brasileiras, que ganharam competitividade, analisou Gonçalves, atual vice-presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
Mas o Mercosul “já não atende as necessidades do Brasil” diante da revolução econômica do mundo, indicou o embaixador, explicando que a indústria nacional perdeu competitividade e o mercado do bloco é “insuficiente para recuperá-la”. Agora é preciso integrar a indústria às cadeias produtivas globais, sem pretender que seus insumos sejam “100% nacionais”, porque assim não se conseguirá competitividade para exportar, opinou Gonçalves. Por exemplo, o México, que optou por um caminho que hoje lhe rende frutos, ao abrir-se, nas décadas passadas, à chamada indústria da maquiagem (zonas francas de produção para exportação).
Na visão de Gonçalves, “ainda há espaço para um acordo amplo, pragmático”, que promova cadeias produtivas com os países da Aliança do Pacífico, aumentando a eficiência da indústria brasileira. Deveria ser um acordo não só de redução tarifária, que hoje tem pouca relevância porque todos já as baixaram muito, mas de “uma verdadeira política de integração, compreendendo regulações, energia, investimentos, infraestrutura, propriedade intelectual e comunicação”, ressaltou.
Entretanto, o diplomata não identifica “perspectivas brilhantes” nessa área, “pelas reações de irritação e afastamento” que observa no governo, com sua preferência para se aproximar de Bolívia e Equador, em lugar de fazê-lo com economias mais promissoras como as de Peru e Colômbia. Os principais problemas do Mercosul, que ainda é vital para o comércio exterior do Brasil apesar da forte queda de suas exportações para a Argentina, é que estes dois grandes sócios abandonaram suas políticas de integração e livre comércio na última década, observou Gonçalves.
A Argentina o fez por suas dificuldades financeiras e não por oposição ao seu gigante vizinho, mas, no caso do Brasil, tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) quanto sua sucessora, Dilma Rousseff, renunciaram à integração regional na prática, embora mantendo o discurso, criticou Gonçalves. O motivo seria ideológico e é a aproximação ao “chavismo”, isto é, às ideias do falecido presidente venezuelano Hugo Chávez (1954-2013).
A preocupação de Amayo, por outro lado, é com a atitude do Brasil como grande potência, em relação aos países pequenos, estabelecendo desigualdades nas negociações. O exemplo estaria nas situações subalternas de Paraguai e Uruguai no Mercosul. Além disso, a expansão das empresas transnacionais brasileiras, apoiadas por crédito abundante do banco de fomento estatal, gera reações negativas, detalhou.
A Aliança do Pacífico não nasceu com uma intenção de “dividir” a região, mas se formou atendendo a interesses de seus membros e à longa história de suas relações através do Pacífico, “não apenas com China e Japão”, destacou Amayo. “Nunca foi questionado se o Mercosul dividia a América Latina”, acrescentou. A história e a realidade dos países do Pacífico são ignoradas no Brasil, inclusive na diplomacia e nas instituições de fomento da pesquisa, que dificilmente aprovam apoios financeiros a estudos sobre o outro lado do continente, lamentou Amayo.
O novo bloco começa com muito dinamismo e com o pedido de adesão da Costa Rica e do Panamá, além de muitos outros em caráter de observadores, que o Uruguai já concretizou. O Brasil deverá perceber em breve que a posição estratégica “pesa mais do que o tamanho”, previu Amayo. É que a Aliança não é só do Pacífico, mas também é “bioceânica”, com acesso privilegiado à bacia mais dinâmica da economia mundial e também ao Atlântico, concluiu. Envolverde/IPS