Porto Velho, Brasil, 13/5/2011 – Elas representam 7% dos trabalhadores que constroem a central hidrelétrica Santo Antonio, no Rio Madeira, que atravessa o noroeste amazônico do Brasil. Mas somam 1.200 mulheres e centenas precisaram quebrar tabus para ocupar postos antes exclusivos dos homens.
Zenaide Pereira da Silva, de 29 anos, é uma delas. Foi a primeira a operar um pórtico rolante, um tipo de guindaste sem braço e com quatro pilares movidos sobre trilhos, de 20 metros de altura e capaz de erguer 250 toneladas para montar as turbinas e outros enormes equipamentos que compõem a casa de máquinas de geração de energia.
“O medo de cometer um erro”, mais do que o de trabalhar em grandes alturas, a mantém tensa quatro meses depois de começar nessa tarefa, para a qual se qualificou em um curso do Acreditar, programa de formação de mão de obra local da Odebrecht, principal construtora de Santo Antonio e sócia do consórcio que venceu a concessão para erguer a central.
O trabalho exige total precisão e “não ter dúvidas”, porque um mínimo deslize no encaixe pode danificar componentes que demoraram anos de desenvolvimento e fabricação, explicou Zenaide. Ela ainda compartilha a responsabilidade com um colega, mas logo deverá trabalhar sozinha, com a intensificação da montagem da hidrelétrica.
“Paciência e atenção” são outras exigências, especialmente estar atenta aos muitos comandos e instrumentos do pórtico e ao mesmo tempo não perder de vista os sinais dos colegas que, do chão, orientam as operações, acrescenta à IPS.
Natural do Maranhão, de onde mais trabalhadores emigram no Brasil, ela não ficou em Porto Velho, capital de Rondônia, a sete quilômetros de Santo Antonio, onde se estabeleceu com sua família em 2002. Casou-se e foi viver no vizinho Acre.
Retornou a Porto Velho há três anos, divorciada e com uma filha. Trabalhou na construção e com venda de seguros, até se inscrever no Acreditar. Fez o curso de operadora de pórtico rolante com outras seis mulheres, “em período integral durante um mês”, e por seu bom desempenho foi uma das primeiras contratadas.
Acorda às 4h30 e três horas depois começa a jornada no aparente caos das obras, um formigueiro gigante. A pior parte – conta – são as três horas de ônibus do trajeto de ida e volta de casa ao trabalho.
Mas Zenaide diz que compensa. Costuma fazer hora extra e graças a isso e a outros complementos no ultimo mês recebeu o equivalente a US$ 1 mil, embora seu salário básico, de US$ 740, seja muito superior ao salário mínimo, de US$ 300.
O “orgulho” de contribuir para o desenvolvimento do país e para a “conquista de espaços” para a mulher não a impede de reconhecer os danos causados pela represa, como a inundação de florestas e o deslocamento de moradores ribeirinhos que vivem da pesca. Precisaria estudar melhores formas de compensar os afetados e o impacto ambiental, afirmou Zenaide.
Sua presença em uma função “masculina” provoca curiosidade e há quem tire foto para mostrar que viu uma mulher manejando uma máquina tão grande.
Preconceitos maiores enfrenta Edcleusa Moreira Viana, que também chegou a Porto Velho há três anos, quando começava a construção da hidrelétrica, procedente do Pará. Ela reconhece que “há resistências masculinas” às suas orientações e advertências como membro da equipe de segurança da construção. “Os machistas pensam que queremos mandar” e rejeitam “uma mulher liderando”, afirmou Edcleusa, que recorre a nove anos de experiência em vários empregos e aos cursos que fez para lidar com o problema.
Aos 34 anos, quatro filhos e marido também empregado na Santo Antonio, conta que lembra das reações às suas orientações de que “a família em primeiro lugar”, para destacar aos operários a necessidade de cuidarem de suas próprias vidas e evitarem acidentes para voltarem aos seus com boa saúde e dinheiro ganho no trabalho.
“Nosso principal trabalho é conscientizar” os trabalhadores que inicialmente tendem a descumprir as normas, mas depois “começam a desenvolver uma cultura de segurança”, disse antes de defender maior presença feminina em sua função.
A montagem de grandes equipamentos é outro setor no qual Santo Antonio quebrou barreiras e agora é misto. “Fui a primeira mulher neste galpão, e no começo foi difícil, me sentia uma ET”, recordou Emyrtes Rocha, auxiliar mecânica. “Tiravam as ferramentas da minha mão e diziam que eu não daria conta”, disse.
“O que uma mulher pode fazer aqui, onde são necessárias mãos fortes”, duvidava o engenheiro responsável, até que ela e outras demonstraram sua capacidade e ganharam o respeito dos colegas, afirmou Edcleusa. Atualmente, quatro mulheres “vencem preconceitos” em uma brigada de 20 pessoas, acrescentou.
“Há componentes muito pesados que de fato exigem a força masculina, mas é mais importante a disciplina, o trabalho coletivo e especialmente a atenção no que se faz”, destacou a operária, de 39 anos, que se declara “feliz” por ter emprego estável após dois anos trabalhando como comerciante informal.
Edcleusa comemorou o fato de, como responsável pela família, ter comprado um automóvel e reformado sua casa, além de manter sua filha de 22 anos e pagar-lhe um curso superior de contabilidade.
A participação feminina registrou um salto, na quantidade e na ocupação de funções qualificadas, com relação a grandes obras anteriores, disse Jorge Luz, gerente administrativo e financeiro da Odebrecht, a responsável pela montagem eletromecânica da hidrelétrica. Foi um processo “natural” em que “fomos surpreendidos pela quantidade de mulheres em busca de trabalho”, explicou, reconhecendo que os chefes de equipes tiveram dificuldades no começo porque “não era comum ter mulheres nessas funções”.
Sua presença, como é comum, predomina na área administrativa, nos restaurantes e escritórios, mas há mulheres em todos em todos os setores e em toda a hierarquia, de auxiliares a engenheiras, disse José Carlos de Sá, coordenador de Relações Institucionais da Santo Antonio Energia, o consórcio responsável pela hidrelétrica.
O caso da Santo Antonio representa mais um degrau em um “boom” da participação feminina na construção civil no Brasil. As mulheres no mercado formal do setor aumentaram 44% entre 2007 e 2009, quando somaram 172.734 dos 2.221.245 trabalhadores registrados, segundo o Ministério do Trabalho.
Esses números, que colocam a participação feminina em 7,78% na construção brasileira, mais do que duplicam, segundo outros organismos, ao somar o mercado informal onde trabalham sem carteira assinada e por conta própria.
A hidrelétrica, planejada para gerar 3.150 megawatts, está em seu apogeu da construção e emprega 17.300 trabalhadores. As primeiras turbinas deverão iniciar a geração elétrica ano final do ano.
A barreira que represará as águas do Rio Madeira terá extensão de 2.500 metros. A gigantesca intervenção na natureza vai acelerar o desenvolvimento econômico local, mas também provoca desequilíbrios ambientais e sociais em Porto Velho e região. Envolverde/IPS