Brasileiros estão muito satisfeitos com a vida, mas descontentes com a situação atual. A revista Época publicou em sua edição 700 pesquisa sobre a satisfação dos brasileiros com suas vidas, conduzida pela MCI, entre 11 e 14 de setembro. A sondagem abordou vários pontos e repetiu questões de pesquisa similar realizada em 1998.
Eu estava em viagem pelo EUA, quando a pesquisa saiu e só agora, pondo a leitura em dia, pude olhar os números com atenção. Um ponto chamou minha atenção: os brasileiros têm visão mais positiva de sua mobilidade, que de sua situação presente e têm expectativas positivas para o futuro de seus filhos.
Explico. Há dois tipos de satisfação usualmente medidos por sociólogos ou analistas do sentimento dos consumidores. Uma é a que poderíamos chamar de estrutural. Tem a ver com a mobilidade social e é captada pela pergunta: “sua vida, hoje, é melhor, igual ou pior que a de seus pais?” Outra é conjuntural e tem a ver com a percepção da situação econômica corrente e com a renda atual das famílias.
À comparação com seus pais, 44% dos brasileiros responderam que estavam melhor, em 1998, e 73%, em 2011. Em 1998, proporção igual achava que estava pior que seus pais. Significa que hoje a maioria absoluta dos brasileiros se vê em uma situação de vida superior à dos pais. Tem a ver, claro com o crescimento das classes médias propiciada pela estabilidade da moeda e subsequente elevação da renda.
O ideal é que a pergunta pedisse especificamente que avaliassem sua posição em relação a seus pais quando tinham a mesma idade que eles hoje. Mas há evidências, desde pelo menos os anos 1970, de que a mobilidade entre gerações no Brasil é realmente elevada. Essa satisfação “estrutural”, gerada pela percepção de ascensão social, determina grande tolerância das pessoas com os dissabores do dia a dia, as crises e os aspectos negativos da conjuntura, que afetam suas vidas, expectativas e percepções.
A constatação de que se moveram para um andar social superior à de seus pais torna as pessoas também mais otimistas com a mobilidade futura, de seus filhos. De fato, a pesquisa mostra que, em 1998, 55% achavam que os filhos estariam melhores que eles no futuro e, em 2011, essa proporção subiu para 70%.
Quando convidados a olhar para o presente, para medir a satisfação corrente, e conjunturalmente variável, os brasileiros se mostram bem menos positivos. Em 1998, um ano de crise, 11% avaliavam a situação econômica do Brasil como ótima ou boa. Em 2011, um ano de bom desempenho da economia, mas com a inflação em alta, 29% acham a situação ótima ou boa. Em 1998, 88% achavam que a situação econômica do país ia de regular a ruim/péssima e, em 2011, 70% acham a mesma coisa.
Em 1998, ano de inflação baixa, embora de crise grave, que desembocaria no colapso cambial de janeiro de 1999, 49% respondiam “sim”, que seus rendimentos eram suficientes para cobrir todas as despesas do mês e 49% diziam que “não” eram suficientes. Em 2011, ano de inflação em alta, consumo estimulado e aquecido, 70% dizem que seus rendimentos “não” cobrem todas as suas despesas e apenas 29% dizem que “sim” dão para cobrir todas as despesas. Essa insatisfação conjuntural tende a desgastar o apoio social ao governo e a popularidade presidencial.
Essas diferenças de percepção e satisfação tendem a influenciar comportamentos relativamente contraditórios: de tolerância e relativa passividade em relação aos problemas do país e aos dissabores que vivemos, e de descontentamento crescente com o desempenho do governo. A tolerância torna difícil imaginar que um movimento como o “occupy Wall Street” consiga mobilizar a grande massa. A queda da popularidade do governo torna mais fácil para a oposição conquistar votos e adeptos. Mas para isso era preciso que a oposição tivesse liderança e ideias.
* Publicado originalmente no site Ecopolítica.