Nova Délhi, Índia, 30/3/2012 – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (Brics) decidiram ontem em Nova Délhi adiar o tão esperado anúncio de um banco Sul-Sul pelo menos até a reunião do próximo ano. A Declaração de Nova Délhi, apresentada ao final da IV Cúpula dos Países Brics, diz que os ministros da Fazenda do bloco foram encarregados de “examinar a viabilidade de tal iniciativa, criar um grupo de trabalho conjunto para um estudo mais profundo e informar aos chefes de Estado na próxima cúpula”, que será na África do Sul.
“Criar esse banco Brics implica questões complexas, como a forma para a transferência do crédito”, disse Vivan Sharan, da Observer Research Foundation (ORF), anfitriã de um fórum que reuniu entre os dias 3 e 6 deste mês, também na capital da Índia, acadêmicos e especialistas dos países do bloco. “Contudo, não há obstáculos no caminho e é uma ideia cujo tempo chegou”, afirmou à IPS.
“Embora no momento o plano seja complementar mais do que suplantar a estrutura financeira mundial existente, claramente existe a ambição de seguir adiante”, acrescentou Sharan. Os cidadãos do bloco, que representam quase a metade da população mundial, devem se contentar por ora com a decisão de implantar até junho a Aliança de Intercâmbio Brics, o que permitirá o comércio com o uso de moedas locais, ressaltou.
“Logo cada investidor poderá investir no progresso do outro, e haverá maior liquidez, melhor integração determinada pelo mercado e a possibilidade de estender créditos em moeda local”, explicou Sharan. “Dois países Brics estão entre os cinco principais em termos de paridade de poder aquisitivo, e quatro estão entre os dez principais”, ressaltou.
A frustração do Brics com as políticas do Grupo dos Sete países mais ricos (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália e Japão) foi palpável na reunião dos ministros de Comércio do novo bloco, que aconteceu no dia 28. Nessa ocasião, o brasileiro Fernando Pimentel encabeçou as queixas pelas demoras na concretização das reformas prometidas no Fundo Monetário Internacional (FMI).
As declarações de Pimentel se refletiram na Declaração, que estabelece: “O acúmulo de dívida soberana e as preocupações pelo ajuste fiscal de médio e longo prazos em países adiantados estão criando um contexto incerto para o crescimento mundial”. Além disso, o documento afirma que “a excessiva liquidez, derivada das agressivas ações políticas adotadas pelos bancos centrais para estabilizar suas economias internas, se estendeu às economias de mercado emergentes, impulsionando uma volatilidade excessiva nos fluxos de capitais e nos preços das matérias-primas”.
Porém, as declarações mais duras foram dirigidas às sanções impostas ao Irã e à situação no Oriente Médio. “Respeitamos a resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Entretanto, ao mesmo tempo, isso não impede os países de participarem do comércio de matérias-primas essenciais e do necessário para o bem-estar humano”, disse o ministro de Comércio e Indústria da Índia, Anand Sharma, em uma entrevista coletiva com seus pares do bloco.
Seu colega chinês, Chen Deming, alertou que não se pode esperar que seu país respeite sanções unilaterais contra o Irã quando a alta do preço do petróleo prejudica os países Brics e a economia mundial.
Os líderes do Brics coincidem na Declaração em que “o período de transformação que acontece no Oriente Médio e no Norte da África não deveria ser usado como pretexto para atrasar a resolução de conflitos duradouros, mas deveriam servir como incentivo para solucioná-los, em particular o conflito árabe-israelense”. Segundo o professor Pushpesh Pant, da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Jawaharlal Nehru, “esta é uma declaração ousada, que surge de um grupo díspar e conhecido por ter interesses divergentes”.
Segundo Pant, falta ver como os membros do Brics farão para concretizar algumas de suas articulações. “A China tem problemas internos, a Rússia se mostra cada vez mais europeia, o Brasil não pode se livrar de suas amarras latino-americanas e a Índia tem sérios problemas para tratar com seus vizinhos”, resumiu.
“Uma pergunta que surge é se os membros do Brics incentivarão a China a apoiar a candidatura da Índia para uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU”, disse Pant. “Outra pergunta se refere aos interesses às vezes conflituosos da Organização da Cooperação de Xangai”, integrada por China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajaquistão e Uzbequistão, acrescentou.
A Declaração diz que “China e Rússia reiteram a importância que dão ao status de Brasil, Índia e África do Sul nos assuntos internacionais e apoiam sua aspiração a desempenhar um papel maior na ONU”.
Segundo Sharan, a força da cúpula está no Plano de Ação de Nova Délhi, divulgado ontem junto com a Declaração, que convoca reuniões de chanceleres do Brics no contexto da Assembleia Geral das Nações Unidas, e de seus ministros de Finanças em paralelo com as do Grupo dos 20 países ricos e emergentes.
Também haverá, segundo o Plano, reuniões ministerial de Finanças e de autoridades fiscais em torno das organizadas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional, e inclusive algumas autônomas. “Isto significa que, apesar de todos os reparos, podemos esperar mais coordenação como a que se viu no Conselho de Segurança durante 2011, e melhores possibilidades para os enfoques multilaterais no tocante à paz e à segurança mundiais”, destacou Pant. Envolverde/IPS