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Búlgaros ocupam as ruas descontentes com o sistema político

O apoio do governo da França aos protestos na Bulgária inspirou representações da “liberdade guiando o povo”, do pintor francês Eugène Delacroix. Foto: Vassil Garnizov/IPS
O apoio do governo da França aos protestos na Bulgária inspirou representações da “liberdade guiando o povo”, do pintor francês Eugène Delacroix. Foto: Vassil Garnizov/IPS

 

Varsóvia, Polônia, 30/7/2013 – A sociedade búlgara protesta há mais de seis semanas contra a oligarquia e a corrupção, nas ruas da capital. As primeiras manifestações foram em protesto pela decisão do governo socialista de designar o magnata das comunicações Delyan Peevski, de 32 anos, titular dos serviços de segurança nacional (DANS).

Sob o lema DANSwithme (dança comigo, um jogo de palavras em inglês com o nome da agência), desde 14 de junho acontecem manifestações diárias na capital da Bulgária. Embora o governo tenha voltado atrás com essa decisão em razão dos protestos, a sociedade continua se manifestando pedindo a renúncia do primeiro-ministro, Plamen Oresharski.

Nos dias de maior convocação, se reúnem dezenas de milhares de pessoas. Os que vivem em cidades, normalmente jovens e profissionais, expressaram seu descontentamento, mas também celebraram a nova experiência de ação de rua. Formam um grupo colorido de pessoas que levam seus filhos, às vezes fantasiados, e que divulgam mensagens políticas mediante instalações artísticas que depois promovem pelas redes sociais.

Como reflexo de seu desejo de instaurar uma sociedade que funcione bem, as pessoas se reúnem no centro de Sofia, a capital, pela manhã para “tomar café com os parlamentares” antes de irem trabalhar. Juntam as xícaras, como prova da quantidade de participantes. À tarde, voltam às ruas para organizar marchas e apresentações mais elaboradas. Notórios por sua duração, convocação e criatividade, estes protestos são a máxima expressão do ressentimento público com a classe política, à qual atribuem vínculos estreitos com empresários e grupos criminosos e com instituições disfuncionais.

Na Bulgária, mais do que em qualquer outro país do leste europeu que tiveram regimes socialistas, a ligação entre crime organizado, empresários e dirigentes políticos, cimentado no começo da década de 1990, continua sendo assunto da vida pública. Além disso, é o Estado mais pobre da União Europeia (UE). Contudo, nos últimos anos a sociedade búlgara começou a reagir. Os ambientalistas, por exemplo, denunciaram a entrega de parques naturais e lindas praias para projetos turísticos e desportivos a empresários de duvidosa reputação. Entretanto, só em fevereiro deste ano que explodiu o descontentamento.

No começo de 2013, a população foi às ruas durante semanas, em protesto pelo elevado preço da eletricidade e da calefação, pedindo a renacionalização do setor energético. A maioria dos manifestantes era de pobres que não podiam pagar suas contas. Inclusive, houve vários suicídios públicos em diferentes cidades nas semanas que durou a mobilização. Depois, a eles se uniram outras pessoas frustradas com os dirigentes do país, o que levou à renúncia do governo de centro-direita de Boiko Borisov.

Após as eleições de maio, o governo da Bulgária ficou formado por uma coalizão de socialistas e do Movimento pelos Direitos e Liberdades (um partido que representa a minoria turca, que costuma se unir ao grupo majoritário para formar governo). Mas também precisou do apoio do Ataka, de extrema-direita.

“A situação é muito instável com o aumento da pressão sobre o governo porque nos últimos tempos até os sindicatos se mostraram a favor dos protestos”, disse Ivan Krastev, presidente do Centro de Estudos Liberais, com sede em Sofia, em entrevista à IPS. “A pergunta já não é se haverá eleições antecipadas, mas quando. Claramente, este governo perdeu a capacidade de governar”, afirmou.

No dia 23, pela primeira vez, houve tensão durante os protestos. A multidão rodeou o parlamento à noite e fechou os legisladores dentro da casa, que estavam em sessão extraordinária para votar emendas ao orçamento. Os parlamentares buscavam aumentar o déficit orçamentário para financiar dívidas importantes de privados e o gasto social.

Oresharski se nega a renunciar, prometendo que o governo tem “um claro plano de estabilização” e “medidas urgentes para melhorar a situação social”. Porém, não divulgou detalhes. Por seu lado, o presidente Rosen Plevneliev expressou sua simpatia com os manifestantes, assim como outros membros da UE, inclusive a comissária de Justiça, Viviane Reding, e os embaixadores da França e da Alemanha em Sofia.

Ao contrário dos manifestantes gregos ou espanhóis que consideram a União Europeia principal responsável pelas medidas de austeridade, muitos búlgaros ainda acreditam nos ideais da UE. Em agradecimento aos representantes da França e da Alemanha, os manifestantes representaram ao vivo o quadro do pintor francês Eugène Delacroix, A liberdade guiando o povo, ícone da luta popular e da queda do Muro de Berlim. Na tela, uma mulher sensual representa a liberdade que guia o povo com a bandeira da França em uma das mãos durante as revoltas de julho de 1830.

“De certa forma, estes protestos alimentam uma ideologia que condiz totalmente com os principais indicadores da transição pós-socialista: a antipolítica, os especialistas tecnocratas, a sociedade civil, a transparência, o anticomunismo, o livre mercado (uma economia livre da intromissão dos políticos, acusados de favorecer a máfia), como sugere o momento em que ocorrem os protestos”, disse à IPS Jana Tsoneva, que faz doutorado na Universidade Central Europeia, durante a manifestação.

“Em comparação com os protestos de fevereiro, muito mais críticos, por exemplo, em relação à sua posição com os investidores estrangeiros, as atuais têm uma típica agenda modernizadora”, pontuou Krastev. “Ao contrário de outros lugares, como Grécia, onde a população protestou contra o projeto europeu, os búlgaros veem Bruxelas (sede do governo da UE) com um aliado natural. Por isso as autoridades europeias podem se alinhar com os manifestantes contra as elites governantes, e não o contrário”, explicou.

Ambos disseram que não se deve simplificar uma análise destas manifestações tentando ligá-las com uma e outra agenda ou classe. “Há pessoas nas ruas que é muito mais de esquerda, anticapitalista, que no Ocidente estaria no movimento Ocupe, mas também há outras com opiniões liberais mais clássicas que nunca têm oportunidades por culpa dos oligarcas. Esta é uma coalizão interessante, como é ver em que estão de acordo”, destacou Krastev. “É importante sermos testemunhas de um grande processo de politização da classe média e dos jovens, apesar da debilidade da agenda cívica clássica das manifestações, é que não está claro se sairá algum partido político delas”, acrescentou. Envolverde/IPS