Busan pode criar um novo acordo para a África?

Johannesburgo, África do Sul, setembro/2011 – Na esperança de um novo acordo mais justo de ajuda para o continente, os líderes africanos planejam apresentar uma posição unificada no 4º Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda (HLF4), em Busan, Coreia do Sul. Atualmente, as discussões estão em curso entre a União Africana, a Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (Nepad, sigla em inglês), o setor privado, e representantes da sociedade civil, com o objetivo de melhorar o impacto da ajuda aos mais vulneráveis e marginalizados. O que surgir dessas discussões será, então, levado a Busan, em novembro deste ano, como um “Consenso e Posição Africana sobre Eficácia do Desenvolvimento”.

No momento em que dois mil delegados de alto nível e especialistas se encontrarão em Busan para revisar o progresso global no impacto e eficácia da ajuda, é imprescindível que as necessidades da África sejam colocadas como centrais. As políticas de ajuda atuais estão falhando no continente, como evidenciado pelo fato de que 33 dos 48 países menos desenvolvidos (LDCs, sigla em inglês) estão ali localizados. As estimativas de progresso nas Metas de Desenvolvimento do Milênio Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que a África está ficando para trás do resto do mundo na redução da pobreza. De acordo com as estimativas de 2005, que ainda são utilizadas por especialistas, metade das pessoas na África subssaariana vive com menos de US$ 1,25 por dia.

A sociedade civil espera compromissos mais avançados em Busan, da parte dos doadores e dos países receptores, para estabelecer uma nova agenda para o desenvolvimento que amplie os benefícios da ajuda para aqueles que mais precisam. É, portanto, imperativo, de uma perspectiva africana, que os líderes políticos e altos funcionários dos governos vindos para a HLF4 reiterem o compromisso de adotar os princípios acordados nos fóruns anteriores sobre a eficácia da ajuda, em Acra (2008) e Paris (2005).

Em Busan, a África precisa que os países desenvolvidos e doadores reafirmem os seus compromissos de ajuda e assegurem a previsibilidade dos planos de ajuda para permitir que os países receptores consigam planejar o futuro com base na ajuda prometida para o desenvolvimento. Após a crise financeira global de 2008, alguns países desenvolvidos não honraram seus compromissos de ajuda ao desenvolvimento, reduzindo drasticamente o montante da ajuda que havia sido prometido, colocando a perder os esforços dos países africanos, que gastaram quantidade considerável de tempo e recursos para formular planos completos de utilização da ajuda prevista.

Adicionalmente, o fracasso dos países desenvolvidos em alocar um mínimo de 0,7% do Produto Interno Bruto para os países em desenvolvimento no intuito de atender aos objetivos de desenvolvimento por meio da ajuda do exterior precisa ser o foco principal. Este número foi acordado em uma resolução na Assembléia Geral da ONU, em 1970. Infelizmente, foram poucos os países desenvolvidos que cumpriram esta meta de assistência oficial ao desenvolvimento, enquanto a maioria ficou lamentavelmente aquém desses objetivos.

Além disso, se a ajuda oficial é para ajudar, ela precisa ser dissociada de considerações políticas ou econômicas da parte do governo doador, conforme os princípios de não condicionalidade acordados. Isto é um assunto altamente contestado, pois o fluxo de ajuda continua dependendo de prioridades estratégicas e geopolíticas dos governos doadores, incluindo questões de segurança. Não é um segredo que alguns dos LDCs na África receberam mais ajuda do que outros, não por causa das reais necessidades da sua população, mas por causa da “vontade” de seus governos em “cooperar militarmente na guerra global ao terror”. Existe uma demanda muito forte da sociedade civil para que a condicionalidade seja focada somente em “resultados de desenvolvimento”, incluindo um compromisso para a proteção dos direitos humanos, justiça social e transparência.

Da perspectiva africana, embora seja importante estimular o desenvolvimento econômico no continente, existe também uma necessidade igualmente urgente de se reorientar a governança econômica global no sentido de atender as carências dos pobres e marginalizados. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, dos quais muitas das nações africanas receberam empréstimos em grandes quantidades, continuam a ser governados por (e a servir uma agenda econômica dos) tradicionais países ricos. As discussões em Busan não podem ser divorciada da reforma e da democratização das instituições financeiras internacionais, cujo trabalho tem um grande impacto no continente.

Outro princípio fundamental da ajuda, que surgiu dos fóruns de alto nível anteriores, é o de “propriedade nacional”. Muitas nações africanas têm interpretado isso como “propriedade do governo”, como fica evidente na proliferação de pronunciamentos de política e legislação para permitir que os governos mantenham uma hegemonia sobre o dinheiro oriundo da ajuda em detrimento de outras partes interessadas, como parlamentares que são da oposição, sociedade civil e comunidades locais.

Desde o último Fórum de Alto Nível em Acra, em 2008, um número de restrições legais e políticas ao redor do continente africano foram colocadas em prática para evitar que grupos da sociedade civil reclamem uma prestação de contas dos governos, por meio de disposições que restringem o trabalho de advocacia das ONGs, e as forçam a alinhar suas atividades com os planos de desenvolvimento nacionais decididos pelos governos. O pior da crise de se encolher os espaços da sociedade civil no continente é exacerbado pelo fato de que muitos defensores da sociedade civil que expõem a corrupção e violações dos direitos humanos estão sendo intimidados por processos judiciais, ameaças, ataques a suas reputações e extrema violência física.

Também é preocupante a escassez de informações dos países africanos sobre o impacto da ajuda nas vidas dos pobres. Isto está associado à falta de instituições democráticas que possam verificar de forma independente as ações dos governos.

Em Busan, o mundo não pode se dar ao luxo de falhar com a África, assim como os líderes africanos também não podem. (Envolverde/IPS)

* Mandeep Tiwana trabalha como gerente político e Netsanet Belay como diretor de política e pesquisa na Civicus, uma aliança global da sociedade civil situada em Johannesburgo, África do Sul.