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Buscar refúgio prejudica a saúde

Melbourne, Austrália, 1/9/2011 – É cada vez mais preocupante a saúde mental de milhares de pessoas presas indefinidamente no sistema australiano de detenção de imigrantes. O escritório do ombudsman da Commonwealth (comunidade de ex-colônias britânicas) investigou em julho suicídios e ferimentos autoprovocados entre os imigrantes detidos. “Fiquei alarmado com o fato de na primeira semana de junho, quando visitei os centros de detenção de Christmas Island, ser informado de mais de 30 incidentes de danos autoinflingidos por parte dos detidos”, disse o ombudsman Allan Asher.

A investigação foi anunciada depois do registro de um aumento desse tipo de caso junto à International Health and Medical Services (IHMS), que fornece serviços de saúde, e após inspeções realizadas no começo deste ano por pessoal do escritório do ombudsman em vários centros de detenção. Segundo números do Departamento de Imigração e Cidadania, até 30 de junho houve mais de 1.100 incidentes de danos autoprovocados ou pelo menos tentados. Só na primeira semana de julho, houve outros 54 incidentes.

Dados do Departamento e do IHMS divulgados no dia 16 de agosto em uma investigação parlamentar sobre a rede de detenção de imigrantes na Austrália lançaram nova luz sobre a situação vivida nos 19 centros do país. No primeiro semestre deste ano, 213 detidos necessitaram de cuidados médicos após se autoferirem. Mais de 1.500 pessoas foram hospitalizadas, entre elas 72 por motivos psiquiátricos, e 723 foram tratadas por “inanição voluntária”. Entre os grevistas de fome havia 17 crianças.

As condições de vida parecem ser duras dentro dos quatro centros de detenção de Christmas Island, um território australiano no Oceano Índico para onde são levados todos que chegam de barco para um registro inicial. Entre julho de 2010 e junho deste ano, houve 620 incidentes de autoferimentos na ilha.

As pesquisas atuais, que incluem uma avaliação independente dos serviços de saúde mental disponíveis para os detidos, acontecem após uma série de informes enfatizando os riscos para a saúde dessas pessoas. Há consenso quanto à detenção indefinida de longo prazo causar consideráveis desordens mentais. Documentos internos da Serco (empresa internacional de serviços contratada para operar o sistema de detenção de imigrantes), que vazaram para a imprensa, falam do estresse extremo que se vive nessas instalações.

Os documentos, que datam de maio e junho, ordenam reiteradamente que todos os oficiais da ilha deverão portar facas “Hoffman” o tempo todo. Estas facas são usadas para ajudar a liberar detidos que tentam se enforcar. Em um comunicado para o pessoal datado de 20 de maio, os funcionários são cobrados a ficarem mais atentos diante de detidos com “comportamentos anormais”. Os detentos estão “usando os autoferimentos como ferramenta de negociação”, dizia o texto.

Contudo, segundo Victoria Martin-Iverson, porta-voz da Rede de Ação pelos Direitos dos Refugiados, esses ferimentos “são uma técnica de redução do estresse. Não necessariamente algo que se faz para obter uma reação dos guardas. Frequentemente, as pessoas os fazem porque quando estão muito estressadas, e não veem uma maneira de escapar, voltam esse estresse sobre si mesmas”, acrescentou.

Também preocupa um acordo bilateral assinado em julho com a Malásia para transferir até 800 “chegadas marítimas irregulares” (nome dado pelo governo aos solicitantes de asilo que chegam por mar) a esse país em troca de nos próximos quatro anos assentar quatro mil refugiados na Austrália. Embora a implantação deste acordo esteja paralisada nos tribunais devido a medidas legais adotadas por solicitantes de asilo e seus representantes, é um aspecto fundamental do enfoque do governante Partido Trabalhista para “combater o contrabando de pessoas”.

Esta política, cujos críticos consideram dura, será complementada pela polêmica reabertura de um centro de processamento imigratório australiano na Ilha Manus, pertencente à Papua Nova Guiné, mediante o acordo assinado no dia 19 de agosto. Ativistas pelos direitos humanos consideram um absurdo o pacto de intercâmbio de refugiados entre Austrália e Malásia, acusando o governo australiano de não cumprir a obrigação de garantir o bem-estar dos que buscam asilo. Preocupa o tratamento que as autoridades malaias dão a cerca de 90 mil pessoas atualmente refugiadas nesse país.

A Malásia não é signatária da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, que busca salvaguardar os direitos dos que solicitam asilo e as responsabilidades dos países nos quais esperam obter proteção. Existe o risco de, ao enviar os solicitantes de asilo para a Malásia, a Austrália possa estar violando sua obrigação de não repatriar alguém para um país de origem onde sua vida corra risco.

Isto consta de tratados internacionais como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a Convenção sobre os Direitos da Criança, ou da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, disse Catherine Branson, presidente da Comissão Australiana de Direitos Humanos. “Também nos preocupa o fato de que transferir alguém que já tem um parente na Austrália possa violar seu direito à unidade familiar”, acrescentou. Envolverde/IPS