Washington, Estados Unidos, 5/5/2011 – Quando o presidente norte-americano George W. Bush rejeitou uma oferta do movimento islâmico afegão Talibã para julgar Osama bin Laden, em outubro de 2001, renunciou à única oportunidade de pôr fim a uma perseguição que continuaria por mais nove anos. O líder da rede Al Qaeda conseguiu fugir do Paquistão poucas semanas depois porque o governo Bush não tinha um plano para sua captura.
O último chanceler do regime Talibã no Afeganistão, Wakil Ahmed Muttawakil, propôs uma reunião secreta em Islamabad, no dia 15 de outubro de 2001, para colocar Bin Laden sob custódia da Organização da Conferência Islâmica (OIC) e ser julgado pelos atentados terroristas de 11 de setembro daquele ano em Nova York e Washington. Isso foi confirmado à IPS pelo próprio Muttawakil em entrevista realizada em Cabul no ano passado.
A OIC é uma organização de tendência moderada e com sede na Arábia Saudita, que representa todos os países islâmicos. Um julgamento de Bin Laden por nações desse grupo teria significado um duro golpe para as credenciais islâmicas da Al Qaeda, maior do que qualquer operação que os Estados Unidos pudessem fazer.
Muttawakil, inclusive, retirou a condição que havia imposto em setembro de que Washington fornecesse a evidência da responsabilidade de Bin Laden nos ataques de 11 de setembro. Essa exigência também foi reiterada pelo embaixador do Talibã no Paquistão, Abdul Alam Zaeef, no dia 5 de outubro, dois dias antes de começarem os bombardeios contra objetivos do Talibã no Afeganistão.
Houve notícias na imprensa muito superficiais na época assinalando que o chanceler do Talibã fizera uma nova oferta em Islamabad para que Osama fosse julgado por um ou mais países. Nenhum talibã, entretanto, forneceu detalhes do que tinha sido efetivamente proposto até a revelação de Muttawakil.
Este ex-chanceler, que esteve detido na base aérea de Bagram durante 18 meses depois da queda do regime Talibã, e que agora vive em Cabul com a aprovação do governo e do presidente Hamid Karzai, disse à IPS que também ofereceu uma segunda opção: um “tribunal especial” para julgar Bin Laden, que seria criado pelo Afeganistão e por outros governos muçulmanos.
Funcionários norte-americanos acreditam que Muttawakil gozava da confiança do líder do Talibã, mulá Omar. Um telegrama diplomático de dezembro de 1998 enviado pela embaixada dos Estados Unidos em Islamabad dizia que Muttawakil “era considerado o mais próximo assessor de Omar para questões políticas” e que se convertera em “pessoa-chave” para assuntos de política externa em 1997.
A nova oferta talibã chegou quase imediatamente após os Estados Unidos começarem a bombardear o Afeganistão, em 7 de outubro de 2001. O temor por essa ofensiva e ao que possivelmente viria depois, evidentemente levou os líderes talibãs a serem mais flexíveis em relação a Bin Laden. Mas Bush rejeitou enfaticamente qualquer conversação sobre a proposta afirmando: “Não devem ser ouvidos. Não há negociações”.
Bush rejeitou a oferta, apesar de seus serviços de inteligência terem reunido informes nos meses anteriores sobre fortes divisões dentro desse grupo islâmico por causa de Bin Laden. Foi por esses informes que Bush havia autorizado reuniões secretas entre um funcionário da Agência Central de Inteligência (CIA) e um talibã de alto escalão no final de setembro.
O ex-diretor da CIA, George Tenet, recorda em suas memórias que o então chefe do escritório da agência no Paquistão, Robert Grenier, reuniu-se como o mulá Osmani, segundo em comando do Talibã, na província paquistanesa de Balochistão. Mas Grenier estava autorizado a apresentar a Osmani apenas três possibilidades: o Talibã deveria entregar diretamente Bin Laden ou dar caminho livre para os Estados Unidos encontrá-lo ou submeter-se a ações unilaterais de Washington. Osmani rejeitou todas.
No dia 3 de outubro, Bush publicamente descartou negociar com o Talibã. Eles têm de “entregar os membros da Al Qaeda que vivem no Afeganistão e destruir os acampamentos terroristas. Não há negociações”, afirmou.
Milton Bearden, chefe do escritório da CIA no Paquistão durante a resistência dos combatentes islâmicos afegãos contra a ocupação soviética, disse ao jornal The Washington Post, duas semanas depois, que Bush rejeitara nova oferta de Muttawakil, que insistia que o Talibã queria resolver o problema respeitando os valores islâmicos. “Nunca ouvimos o que tentavam dizer”, afirmou Bearden.
A negativa de Bush em negociar com o Talibã foi, na realidade, dar passe livre a Osama e outros líderes da Al Qaeda, porque então Washington não tinha planos para detê-lo no Afeganistão e não sabia qual nível de esforço militar seria preciso para impedir que fugisse do país. A falta de um plano militar para pegar Bin Laden foi responsabilidade da equipe de segurança de Bush, liderada pelo vice-presidente, Dick Cheney, e pelo secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, que se opuseram firmemente a qualquer operação militar no Afeganistão mesmo havendo a possibilidade de capturar o líder da Al Qaeda.
Rumsfeld e seu segundo em comando, Paul Wolfowitz, haviam minimizado advertências da CIA sobre um possível ataque terrorista da Al Qaeda contra os Estados Unidos no verão de 2011, e mesmo depois dos ataques de 11 de setembro continuaram questionando ser Bin Laden o responsável por esses atos. Envolverde/IPS
* Gareth Porter é jornalista e historiador especializado na política de segurança nacional dos Estados Unidos.