Changthang, Índia, 9/9/2013 – O famoso xale de pashmina, que combate o frio com estilo e alto preço, pode acabar vítima do inverno. Milhares de cabras, com cuja lã são feitos estes tecidos de caxemira, morreram devido às temperaturas raramente baixas associadas à mudança climática. A pashmina é obtida da lã de cabras changras, que habitam a região de Ladaj, no Estado indiano de Jammu e Caxemira, e que faz parte da meseta tibetana, a mais de quatro mil metros de altitude, lugar conhecido como “teto do mundo”.
Pouca vegetação cresce nestas áreas, onde a temperatura pode cair para 25 graus negativos. Os nômades changpa vivem de seus rebanhos de ovelhas, iaques e cabras. Em Changthang, também na meseta tibetana, não é comum a ocorrência de nevadas intensas. Mas isso está mudando. Este ano houve algumas que privaram os changpas de forragem para seus animais.
“Esta é a segunda vez nos últimos cinco anos que vejo uma nevada tão forte”, contou Bihkit Angmo, uma pastora de 53 anos, que falou à IPS ao lado de sua barraca em Jarnak, um assentamento nômade que fica 173 quilômetros a leste de Leh, capital de Ladaj. Esta tendência de nevadas em zonas altas preocupa os moradores do lugar, acrescentou.
O último verão já trouxe seus próprios problemas, como a seca que deixou áreas ressecadas e inclusive desertas. “Foi terrível, tivemos que percorrer longas distâncias para encontrar pastagem adequada”, acrescentou Angmo. A neve derretida neste verão fez com que voltasse parte da vegetação, mas então as perdas já eram grandes. O Escritório Distrital de Criação de Ovelhas de Leh afirma que morreram 24.624 cabeças de gado devido às inclemências do tempo.
Assim, o negócio das pashminas ficou em sério risco. A lã obtida das cabras é muito quente, para o animal poder sobreviver ao intenso frio. Com diâmetro de 14 e 19 micras, os filamentos de pashmina são seis vezes mais finos do que o cabelo humano. Geração após geração, os artesãos caxemiras usam esta fibra para elaborar o famoso xale, tecido à mão e frequentemente enfeitado com delicados bordados. Um destes mantos de pashmina originais pode custar entre US$ 200 e US$ 600.
A exportação de pashmina atingiu US$ 160 milhões na temporada 2011-2012, segundo um estudo econômico do governo estadual. Agora, com os extremos do verão e do inverno, as cabras morrem de fome ou de frio. A família de Angmo é uma das poucas que ficaram em Jarnak para continuar criando cabras. Das 98 famílias originais, 83 emigraram, segundo Mohammad Sharief, funcionário do Escritório Distrital. “Nossos estudos mostram que entre cinco e dez famílias da área de Changthang emigram a cada ano para a cidade de Leh”, detalhou.
Segundo Sharief, há 2.500 famílias changpas que criam cerca de 200 mil cabras em Changthang. Cada uma produz 250 gramas de lã por temporada, que são vendidos a cerca de US$ 35 o quilo. Os nômades de Changthang criaram seu próprio bairro em Leh, chamado Jarnak Ling. “Todas as famílias que emigraram de Jarnak e de outros cinturões de Changthang se instalaram aqui”, contou.
Motub Angmo, de 43 anos, está entre os que deixaram Jarnak há quatro anos para se estabelecerem em Leh. Estava cansado da dura vida na montanha, explicou, e partiu com a família após vender suas 300 cabras. “Agora não temos gado, trabalhamos como peões”, explicou à IPS. Seus cinco filhos estudam em uma escola normal em Leh. As escolas móveis que o governo criou para os nômades nas montanhas não tiveram êxito.
Se as coisas continuarem desta maneira, Sharief acredita que a criação de cabras pashminas chegará ao fim nas próximas duas décadas. Isso também significará o fim do sustento para cerca de 300 mil pessoas do Estado indiano de Jammu e Caxemira, que dependem direta ou indiretamente das pashminas, segundo Shariq Farooqi, diretor do Instituto de Desenvolvimento de Artesanatos de Srinagar, capital de verão do Estado.
“Todos dependemos da pashmina para fabricar xales”, disse à IPS o vendedor de roupas Ashraf Banday. “Qualquer ameaça à sua elaboração é uma ameaça ao nosso sustento”, ressaltou. A indústria das pashminas da Caxemira já sofre porque há no mercado de xales aqueles que não são autênticos”. Se diminuir a produção de pashminas, o setor ficará ainda mais vulnerável”, pontuou.
Segundo Sharief, o ministério de produtos têxteis da Índia sabe do problema que representa a emigração dos changpas e está tomando medidas para que retornem. “Contamos com orçamento de US$ 1,2 milhão para armazenar alimentos em bancos de forragem para usar no inverno. Também pretendemos distribuir barracas de campanha e abrigos aos nômades”, indicou.
Seu departamento tenta recolocar em Changthang famílias que emigraram para Leh. “No ano passado reassentamos duas famílias de Jarnak e criamos minigranjas para elas, dando a cada uma 50 animais sem custo”, disse Sharief. Tão logo tenham se estabelecido, serão retiradas algumas cabras para dar a outras famílias. Sharief espera que o ciclo possa se reproduzir até que a maioria das famílias esteja reassentada.
O desaparecimento de cabras pashminas também pode significar o fim da cultura única dos changpas, enfatizou Sharief. A maioria é seguidora do budismo tibetano e tem uma complexa série de tradições centradas em seu gado. Os nômades também praticavam a poliandria, embora esse costume esteja mudando entre as gerações mais jovens. Envolverde/IPS