Cidade do México, México, 4/4/2011 – Com certa lentidão, a América Latina se prepara para analisar os produtos importados do Japão para verificar se estão contaminados com a radiação emanada do complexo nuclear de Fukushima, severamente danificado pelo terremoto e posterior tsunami de 11 de março. Desde o último final de semana, autoridades do México e do Brasil colocam em prática exames radiológicos sobre alimentos e materiais sanitários procedentes do Japão.
“O Japão não é um forte exportador de alimentos. Mas é preciso haver vigilância, porque há um problema de exposição à radiação”, disse à IPS Alejandro Calvillo, presidente da organização não governamental mexicana El Poder del Consumidor.
Por decisão das comissões Nacional de Segurança Nuclear e Salvaguardas (CNSNS) e Federal para a Proteção Contra Riscos Sanitários (Cofepris), o Serviço de Administração Tributária medirá a radioatividade de alimentos e insumos para a saúde de origem japonesa nas aduanas dos portos de Manzanillo e Veracruz e no aeroporto internacional da Cidade do México.
No Brasil, a Agência de Vigilância Sanitária, vinculada ao Ministério da Saúde, e o Ministério da Agricultura acordaram fazer um acompanhamento, a partir de hoje, da entrada de farinhas, massas para pães e bolachas, bem como pescado, algas, pastas e saquê, a tradicional bebida à base de arroz. Uma resolução publicada no dia 1º no Diário Oficial da União estabelece que todo produto ou insumo alimentício deve conter um certificado dado pelas autoridades japonesas de que estes não contêm níveis de radiação superiores aos padrões internacionais contidos no Códex Alimentarius.
Em 2010, as exportações mexicanas para o Japão atingiram US$ 4 bilhões, mas as importações chegaram a US$ 15 bilhões, entre as quais as do setor alimentício não superam 2%, segundo estatísticas da governamental ProMéxico, dedicada a promover o comércio e o investimento neste país latino-americano.
Os registros da Cofepris indicam que 25 empresas compram do exterior insumos para a saúde e outras cinco importam alimentos do Japão. Porém, o México não adquire leite, vegetais ou frutas frescas, bloqueadas pelo governo japonês devido à sua exposição à radiação de Fukushima, município em crise nuclear que fica 240 quilômetros ao norte de Tóquio. Desde abril de 2005, vigora o Acordo de Associação Econômica entre os dois países, destinado a facilitar os investimentos mútuos e promover o intercâmbio comercial.
Por sua vez, o Brasil importou no ano passado produtos japoneses no valor de US$ 7 bilhões, principalmente bens industriais e peças de automóveis, segundo dados do governo. As compras de alimentos não chegaram aos US$ 100 milhões, dirigidas praticamente aos 1,5 milhão de imigrantes asiáticos e seus descendentes.
As autoridades brasileiras também inspecionarão os voos procedentes do Japão, para evitar que passageiros entrem no país com alimentos. A medida tem o objetivo de tranquilizar a população, com o argumento de que é importada uma quantidade muito pequena de alimentos japoneses. A última aquisição de produtos nessa área foi em fevereiro, antes do desastre.
Além disto, não há voos diretos do Japão para o Brasil, por isso os passageiros são monitorados em suas escalas antes de chegarem ao território brasileiro. O sindicato de inspetores sanitários do Ministério da Agricultura reclamou medidas de segurança contra a possível contaminação durante a verificação de contêineres procedentes do Japão. Por sua vez, o Japão suspendeu a saída de leite e vegetais, mas teme ser vítima de medidas comerciais injustificadas, por isso enviou informação à Organização Mundial do Comércio.
O México tem um antecedente terrível quanto à compra de alimentos contaminados com radiação. Em 1988, a extinta estatal Companhia Nacional de Subsistências Populares (Conasupo) distribuiu 2.436 toneladas de leite em pó contaminadas com césio-137, material tóxico para a saúde humana, exposta às emanações da usina nuclear de Chernobyl, que explodiu em abril de 1986 na Ucrânia.
A empresa só conseguiu impedir a distribuição de 1.497 toneladas, sem que se saiba o rastro do leite restante, adquirido da Irish Dairy Borrad, no que constituiu um escândalo que ficou plasmado no livro, de 1997, “Caso Conasupo: o leite radioativo”, do jornalista Guillermo Zamora. “O México é vulnerável à repetição desses casos. Por isso, a vigilância é essencial”, enfatizou Alejandro, que na época dirigia a organização Greenpeace México e que se somou às denúncias dessa compra.
A CNSNS, vinculada ao Ministério da Energia, não encontrou níveis altos de radiação vinda de Fukushima e que chegaram à costa mexicana do Pacífico, levada pelas correntes marinhas e que primeiro tocou as praias do oeste dos Estados Unidos. Esse órgão monitorou, nos dias 17 e 18 de março, os níveis radioativos na localidade de Ensenada, no Estado da Baixa Califórnia, e detectou que estes estavam 1% acima do aceitável. Outros testes foram feitos, no dia 21 de março, na cidade de La Paz, vizinho a Baixa Califórnia Sul, e foram identificadas radiações 2% acima do normal.
Sobre esses números, o Ministério de Governo disse que “não representam nenhum risco para a população no território nacional” e que os monitoramentos continuarão. Nas fronteiras mexicanas operam 200 detectores de radiação. Envolverde/IPS
*Colaboração de Mario Osava (Rio de Janeiro).