Arquivo

Cachemira paga o preço do abandono ambiental

Srinagar, Índia, 27/7/2011 – Anos de políticas deficientes e negligência estão fazendo vítimas no diversificado entorno natural da Cachemira, verdadeiro ímã para turistas internacionais. Um caso típico das prejudiciais inconsistências políticas é o Lago Wullar, outrora considerado o maior corpo de água doce da Ásia e que passou de 204 quilômetros quadrados para apenas 74 quilômetros quadrados.

O Ministério do Meio Ambiente da Índia aprovou um controvertido projeto para reviver o Wullar, que exige cortar cerca de dois milhões de salgueiros que rodeiam o lago. “O Wullar pagou seu preço. Antes era o maior da Ásia, e hoje é uma massa verde. Não se vê água, apenas salgueiros”, disse no dia 2 de junho o então ministro do Meio Ambiente, Jairam Ramesh, em uma entrevista coletiva em Nova Délhi.

Ramesh, que após uma troca de ministros no dia 12 assumiu a pasta de Desenvolvimento Rural, disse que para o projeto para reviver o Lago Wullar foram destinados US$ 90 milhões, canalizados por meio de um programa de conservação de pântanos. Contudo, especialistas ambientais na Universidade da Cachemira, em Srinagar, questionam a viabilidade do projeto, argumentando que está repleto de riscos ecológicos e que acabará sendo mais caro do que se prevê.

“Isto não servirá para nada, já que vimos o fracasso de um projeto semelhante para o Lago Dal (também em Srinagar), que implicou cortar cerca de 500 mil árvores”, disse Shahid Ahmed, ambientalista e professor da Universidade da Cachemira. “As árvores voltaram a crescer e, inclusive, a se multiplicar”, acrescentou. Ironicamente, o excessivo crescimento dos salgueiros em torno do Lago Wullar é consequência de um programa de plantio de árvores assumido na década de 1980 pelo Departamento de Controle de Inundações da Caxemira.

“Embora os salgueiros tenham ajudado a conter o transbordamento do Lago, o acúmulo de fósseis de árvores fez com que o Lago encolhesse”, disse Ahmed. “O governo acordou para esta catástrofe ambiental após três décadas, mas nunca se preocupou em buscar a opinião de especialistas sobre como lidar com as inundações ou o excessivo crescimento” de árvores, acrescentou.

Tais erros, além de uma rápida urbanização, prejudicaram os principais corpos de água da Cachemira, entre eles os lagos Dal, Wullar, Anchar, Nageen e Manasbal, enquanto dezenas de mangues encolhem ou desaparecem. Inclusive a cidade de Srinagar, que antes se vangloriava de seu entorno natural equilibrado, integrado por florestas, corpos de água, pântanos, ricas terras agrícolas, montanhas e morros, viu dizimadas muitas variedades de flora e fauna.

De acordo com diversos especialistas, se for permitido que a urbanização continue ao ritmo atual, em poucos anos os preciosos mangues da Cachemira terão desaparecido, o que causará uma catástrofe ambiental. Estes mangues atraem anualmente milhões de aves migratórias procedentes de muitas partes do mundo, mas essa quantidade está em queda.

“A invasão dos pântanos e sua sedimentação é a principal causa da redução da quantidade de aves migratórias”, disse Samiullah Bhat, ambientalista e pesquisador na Universidade da Caxemira que trabalhou nos mangues da região. “O pântano de Hokersar, que fica 16 quilômetros ao norte de Srinagar, diminuiu para 4,5 quilômetros quadrados, quando sua área original era de 13,75 quilômetros quadrados, enquanto o de Haigam, mais ao norte, perdeu quase metade de seu tamanho original, de 7,25 quilômetros quadrados”, disse Bhat, citando um estudo a respeito.

O diretor do Departamento de Meio Ambiente da Cachemira, Mian Javed, afirmou que se fez muito pouco para salvar os mangues e outros recursos naturais do Estado. “O crescimento não planejado nem regulado, a industrialização e a urbanização em todo o Estado himalaio de Jammu, na Cachemira em geral, e no Vale da Cachemira, em particular, tiveram fortes consequências sobre recursos naturais como florestas, lagos, rios, correntes e ecossistemas”, disse Javed.

Em um estudo feito com dados obtidos por satélites, o departamento de Javed confirmou que a maioria dos corpos de água da Cachemira se converteu em áreas onde se lança esgoto sem tratamento e lixo. Isto é resultado direto da falta de investimentos em modernos sistemas de eliminação de dejetos. “Os pântanos cumpriam a importante função de regular os regimes hídricos, especialmente durante as inundações, e por séculos foram habitat de comunidades vegetais e animais características” do lugar, disse Ahmed.

“Muitas espécies de flora e fauna também dependem destes corpos de água para sua sobrevivência. Os pântanos estão ameaçados pelo explosivo avanço do detestável mato, o que aumenta a contaminação devido à descarga indiscriminada de efluentes domésticos e resíduos líquidos das áreas agrícolas”, acrescentou Ahmed. Além disso, prosseguiu, a rápida urbanização pressionou os pântanos, muitos dos quais foram aterrados para permitir a construção ou acabaram reduzidos a lixões.

A maioria dos especialistas na Cachemira culpam sucessivos governos estaduais pelo caos ambiental em que esta região do Himalaia está afundada atualmente. “Há anos pedimos urgência ao governo estadual para que declare uma política de uso da terra, mas, sem sucesso. Este é o único motivo do caos que temos agora”, afirmou Shakeel Ahmed Rumshoo, professor na Universidade da Cachemira e pesquisador ambiental. Envolverde/IPS