Yaoundé, Costa do Marfim, 11/9/2013 – Quando o camaronês François Biloa contraiu malária, sua família fez o que sempre fazia: deu antibióticos e outros medicamentos comprados no mercado local. Só quando sua situação piorou e ele ficou inconsciente e prostrado na cama foi que seus parentes o levaram a uma clínica na capital. Segundo o assistente da clínica, antes de darem entrada, seis em cada dez pacientes usam remédios ilegais ou falsificados, fáceis de encontrar no mercado desta nação da África ocidental.
“Nós compramos remédios em uma loja porque isso funcionou com ataques anteriores de malária, e são muito baratos. Com apenas US$ 2 podemos comprar um pacote de Coartem (falso), que é um tratamento completo” contra a doença, explica Biloa à IPS em sua cama no hospital. Nas farmácias, um pacote de Coartem custa entre US$ 7 e US$ 8, enquanto no mercado ilegal um pacote do mesmo remédio pode ser comprado por menos de US$ 3. Uma consulta médica custa US$ 4, em média.
“Mas neste hospital agora me dizem que a conta passa dos US$ 75. O médico disse que tenho um tipo resistente de malária, além de febre tifoide”, contou Biloa. “Senti como se estivesse morrendo durante a tentativa de tratamento em casa. Só comecei a recuperar energia e consciência depois de hospitalizado”, detalhou. Em mercados de beira de estrada em Yaoundé, remédios falsificados e ilegais estão empilhados em mesas e estantes de madeira, exibidos abertamente para a venda.
O comércio destes medicamentos é ilegal. Se estão disponíveis é consequência de uma fiscalização fraca, de serviços de saúde de má qualidade e dos elevados custos médicos. Não há dados precisos sobre a quantidade de remédios ilegais que entram no país, mas até 70% dos remédios vendidos em Camarões são comercializados clandestinamente, disse Christophe Ampoam, do Conselho Nacional da Sociedade Farmacêutica de Camarões. Segundo o funcionários, este comércio está tão bem organizado que nem funcionários do governo nem a polícia conseguem detê-lo.
“O comércio de remédios ilegais em Camarões funciona como uma rede muito poderosa, semelhante à máfia, que é muito difícil de desmantelar. Estima-se que a venda desses medicamentos seja cinco vezes mais lucrativa do que a do sistema regular. Os funcionários locais têm horror de desmantelar a rede porque está infiltrada também no sistema judicial e aduaneiro”, explicou Ampoam à IPS.
“Os sistemas regulatório e legal corruptos são facilmente explorados por contrabandistas, e as regras adicionais só aumentam a corrupção”, afirmou Ampoam. Ele acrescentou que a maioria dos remédios falsificados é produzida no Oriente Médio e na Ásia oriental e meridional, embora muitas tenham a inscrição “Fabricado na Alemanha”. Entram clandestinamente em Camarões por mar e pelas porosas fronteiras com Nigéria e República Centro-Africana.
“Embora seja difícil oferecer uma estatística exata sobre a porcentagem de remédios ilegais atualmente existentes nos mercados, sua disponibilidade nesses locais, em lojas improvisadas nas ruas e ao longo de estradas mostra a deplorável situação que o país vive”, destacou Ampoam. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que em todo o mundo poderiam ser prevenidas 200 mil mortes por ano se os pacientes não usassem remédios falsificados.
Um informe da International Policy Network estima que só os medicamentos adulterados contra tuberculose e malária matam por ano 700 mil pessoas no mundo. “A maioria dos remédios em circulação foi proibida em certos países porque são tóxicos ou falsos. Alguns têm os ingredientes corretos, mas em dosagem baixa. Alguns são amostras ou remédios doados por organizações não governamentais”, explicou Ampoan.
Marlise Loudang, diretora do serviço de inspeção farmacêutica no Ministério de Saúde Pública, disse que equipes do governo tomam medidas drásticas em todas as regiões do país contra o comércio ilegal, mas até agora os esforços não tiveram resultados. “A automedicação com esses remédios é um grande problema de saúde pública no país, que afeta quase todas as famílias. Isto tem origem na facilidade de acesso a medicamentos de origem e qualidade duvidosas em todo o território nacional”, acrescentou à IPS.
Marcel Olinga, vendedor de remédios falsos e ilegais, disse que, apesar de as autoridades realizarem blitzen, não o convenceu a parar. “De vez em quando a polícia aparece e confisca meus remédios, mas é um risco que vale a pena correr, porque essas ações não são habituais e nossas principais reservas nunca estão no mesmo lugar onde vendemos”, explicou. Olinga disse à IPS que ganha US$ 40 por dia. “Recebemos muitos clientes diariamente. Alguns vêm com receita médica, outros buscam nossa ajuda antes de comprar, e alguns simplesmente pedem o que querem”.
Segundo a OMS, para cada médico há 13.514 pacientes em Camarões, embora alguns digam que a proteção é maior, especialmente nas áreas rurais. A pobreza também limita muitos na hora de buscar medicamentos em hospitais e clínicas. “Alguns pacientes fogem dos custos das consultas em hospitais e caem nas mãos de comerciantes ilegais, que estão prontos para vender medicamentos a preços muito menores do que os do mercado legal”, disse à IPS Williams Takang, do Hospital Universitário de Yaoundé.
“A automedicação com remédios impróprios causa problemas de saúde comuns nos hospitais locais, e os piores casos ocorrem nos bairros pobres e em comunidades rurais, onde o nível de pobreza é muito alto e o acesso a um médico é caro”, ressaltou Takang. “A ingestão de medicamentos inadequados pode pôr em risco a vida, especialmente em casos de doenças com alta mortalidade, como a malária. Lamentavelmente, a maioria dos pacientes que sofrem destas doenças comuns se medica sem realizar nenhuma consulta médica”, destacou. Envolverde/IPS