Rio de Janeiro, Brasil, 12/7/2012 – Personalidades dos setores acadêmico, jurídico, de saúde, político e social lançaram uma campanha para despenalizar o consumo de drogas, pelo qual vão para a prisão no Brasil dezenas de milhares de pessoas que não são traficantes. A campanha Lei de drogas: É hora de mudar, foi lançada pela Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, que pretende conseguir um milhão de assinaturas para apoiar um projeto de lei que será apresentado ao Congresso no segundo semestre do ano que vem.
O objetivo da campanha, à qual aderiram reconhecidas figuras do teatro e da televisão, e que tem apoio de personalidades com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), é mudar a lei 11.343/2006, que estabelece política antidrogas sem distinguir claramente entre usuários e traficantes.
“Comprei meio grama de maconha para uso pessoal e me prenderam. Como moro em uma favela, me levaram como traficante. Como no Brasil não se pode esperar o julgamento em liberdade, passei meses na prisão”, diz em um dos comerciais para a tevê, divulgados desde o dia 9, o ator Felipe Camargo, interpretando um caso real. “É justo?”, pergunta o jovem. Há outras histórias verídicas: uma prostituta que foi presa porque um cliente deixou rastros de droga em seu quarto; um homem detido porque encontraram um pó em sua casa que, depois se comprovou, era levedo.
Desde que entrou em vigor a lei, a quantidade de detidos por posse de drogas duplicou no país. O consumo de drogas “não pode ter relação com a repressão, a prisão e a polícia. Mas com educação, saúde e solidariedade”, destacou no lançamento da campanha o deputado Paulo Teixeira, do Partido dos Trabalhadores (PT), que apresentará a iniciativa de forma legal no parlamento. “A ideia central é despenalizar a posse e o uso de drogas”, afirmou.
Entre outras mudanças, a iniciativa propõe transferir a política de drogas da área de segurança pública para as de saúde e assistência social, despenalizar o uso, estabelecendo diferenças claras entre consumidor e traficante, e garantir tratamento de qualidade para os dependentes, incorporando redes de apoio e famílias à oferta de uma atenção integral ao vício.
O advogado Pedro Abramovay, professor de direito da Fundação Getulio Vargas e ex-titular da Secretaria Nacional Antidrogas no governo de Dilma Rousseff, disse à IPS que 60% dos presos por drogas no Brasil estavam desarmados, tinham pequenas quantidades e nunca cometeram outros delitos. “Estão muito mais perto do usuário do que do traficante, mas são presos como traficantes porque a lei não é clara”, explicou Abramovay, afastado de seu cargo no governo, entre outras diferenças, por defender as penas alternativas para os pequenos traficantes.
Um quarto da população carcerária do Brasil (a quarta maior do mundo, atrás de Estados Unidos, Rússia e China) está relacionado com as drogas. O país, com mais de 192 milhões de habitantes, tem 258 presos para cada cem mil habitantes. Enquanto a quantidade de presos triplicou nos últimos 15 anos, a de detidos por tráfico sofreu o mesmo ritmo de crescimento em apenas cinco anos, comparou a especialista em violência Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Faculdade Cândido Mendes.
A “enlouquecida” legislação de drogas do Brasil também está levando à prisão um número maior de mulheres, contribuindo com a superpopulação carcerária e causando problemas “enormes” por condições inapropriadas nas unidades penitenciárias femininas, destacou Lemgruber. As mulheres representam 6% da população carcerária brasileira, mas 14% dos presos por tráfico, acrescentou.
Desde sua experiência na repressão, o ex-secretário nacional de Segurança Pública, coronel da reserva da Polícia Militar, José da Silva, apoia a reforma legal. “Com a prática, observa-se que quanto mais se reprime mais o problema se agrava. Morrem mais pessoas: usuários, policiais, traficantes e pessoas que nada têm a ver com essa história”, disse Silva à IPS. “E ninguém consome menos por isso”, acrescentou o ex-policial, que considera “perdida” a batalha contra as drogas por meio da repressão.
A campanha não pretende, no momento, passos mais ousados como a legalização do mercado de drogas. Contudo, Silva também a considera necessária. “O modelo que os norte-americanos adotaram quando decidiram legalizar o álcool é o que devemos utilizar para as drogas, legalizar e controlar tudo, produção, distribuição e consumo, para que seja o Estado o controlador, não o traficante”, destacou. Um sistema semelhante, mas apenas para a maconha, foi proposto no mês passado pelo governo do Uruguai.
A iniciativa legal do Brasil se baseia em parte no modelo de despenalização adotado por Portugal. Nesse país europeu melhorou o combate ao crime organizado, caiu de forma drástica a quantidade de mortes relacionadas com drogas, e não só o consumo não cresceu como diminuiu entre os mais jovens, explicou Abramovay à IPS. A campanha conta com apoio da Viva Rio, organização carioca que promove a cultura da paz, Associação Nacional de Defensores Públicos, Fundação Oswaldo Cruz, Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Comissão Mundial sobre Políticas de Drogas, e a Avaaz, comunidade global de mobilização online.
Uma das participantes da campanha, a atriz Isabel Fillardis, disse que se assustou quando foi chamada, porque nunca usou drogas. Porém, decidiu apoiar a iniciativa porque se comoveu com os casos apresentados e, sobretudo, “porque é importante promover o debate” de um tema considerado tabu no Brasil. Nos últimos meses, ídolos populares falaram abertamente de suas experiências com as drogas. Entre eles, Gilberto Gil, que se referiu ao seu hábito de consumir maconha.
O secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, Carlos Minc, contou que em seus tempos de ministro do governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi chamado “à ordem” por participar de uma marcha de apoio à despenalização da maconha. Outras autoridades consideraram que fazia uma “apologia” das drogas, recordou. “Temos que reverter o jogo da hipocrisia e da repressão”, exortou. Dentro do PT as opiniões estão divididas. “Passei oito anos no governo e continuo apoiando este governo que transformou o Brasil, mas nesse ponto o caminho de luta é o da sociedade civil”, ressaltou Abramovay. Envolverde/IPS