Washington, Estados Unidos, 23/8/2013 – O ex-soldado norte-americano Bradley Manning, cujas informações classificadas que vazou e consequente julgamento despertaram intensas polêmicas, foi sentenciado a 35 anos de reclusão em uma prisão militar. Mas sua defesa e seus seguidores dizem que batalharão para que receba indulto ou tenha a pena reduzida. “É trágico. É uma terrível resposta à tentativa de que o governo preste contas”, disse à IPS o ativista Nathan Fuller, da Rede de Apoio a Bradley Manning, que já iniciou a coleta de assinaturas para solicitar ao presidente Barack Obama que indulte o jovem de 25 anos.
A coronel Denise Lind, única juíza do processo, leu a sentença contra Manning no dia 21, na sede judicial de Fort Meade, no Estado de Maryland, perto do lugar onde o ex-soldado esteve detido durante o processo. A magistrada encerrou no dia 20 três semanas de audiências e tomou um dia para chegar a uma decisão.
No começo de 2010 Manning entregou valiosa informação classificada dos Estados Unidos à Wikileaks, que a tornou pública, causando uma onda de escândalos nesse país e em vários de seus aliados. O pacote incluiu um vídeo sobre o ataque lançado de um helicóptero Apache em Bagdá que matou vários civis, entre eles dois jornalistas da agência Reuters, 250 mil telegramas diplomáticos do Departamento de Estado, e 500 mil relatórios de combates no Iraque e no Afeganistão.
Os que apoiam Manning argumentam que ele divulgou essa informação convencido de que fazia um bem à sociedade e protestam porque ficou preso por um longo período e mantido em confinamento solitário antes de ser julgado. Sua prisão aconteceu em maio de 2010 e desde então não passou um só dia em liberdade. A juíza Lind disse que esse período será descontado da pena que deve cumprir e a reduzirá em quase 1.300 dias. No dia 30 de julho, a juíza declarou Manning culpado de seis infrações à lei federal sobre espionagem, bem como de outras 14 acusações de roubo e fraude. A pena máxima que poderia receber era de 90 anos.
O blogueiro do firedoglake.com, Kevin Gosztola, que cobriu o processo e apoia o condenado, disse à IPS que existe a possibilidade de Manning ficar livre antes de completar 40 anos. As normas indicam que pode solicitar a liberdade condicional após dez anos de detenção, da qual deve ser descontado o tempo que passou confinado antes do julgamento. “A pena mostra que a juíza levou em conta o pedido da defesa para permitir a Manning uma vida depois da prisão”, pontuou.
De todo modo, o advogado defensor, David Coombs, questionou a severidade da sentença e disse que militares que defendera no passado receberam castigos menos duros por assassinar ou abusar de menores. Por sua vez, Fuller indicou que o próximo passo será o lobby junto ao major-general Jeffrey Buchanan, comandante militar do distrito que tem “plenas faculdades” para reduzir a pena, se assim desejar.
Se essa tentativa fracassar, a defesa de Manning lançará mão do processo militar de apelações e da revisão anual de sentenças, a cargo de um órgão militar que decide sobre liberdade condicional e indultos. A rede coordenada por Fuller também tenta convencer o presidente Barack Obama a indultar Manning ou comutar sua pena. “Ainda nos restam várias batalhas. As pessoas estão furiosas”, observou.
O mais notório dos documentos entregues por Manning é o vídeo Collateral Murder (Assassinato Colateral), no qual se ouve as risadas dos soldados que dispararam em um grupo de iraquianos e nos transeuntes que tentaram auxiliá-los. As opiniões ficaram divididas nos Estados Unidos, onde para alguns Manning é um herói e, para outros, um traidor. “Ele esperava mudar o mundo para o bem”, disse à IPS a artista Deborah Van Poolen, que assistiu as audiências e assegura se sentir “inspirada” por suas ações.
Naturalmente, outros discordam. “Não é um informante, nem um herói. O que fez prejudicou a imagem dos Estados Unidos em um momento muito delicado”, disse à IPS o diretor do Centro de Política Externa da Fundação Heritage, Steven Bucci, um instituto de pensamento direitista. Manning pode ser considerado “o maior espião que este país já teve”, afirmou.
As simpatias pelo ex-soldado são mais generalizadas fora dos Estados Unidos, especialmente entre os setores que criticam a política externa de Washington. Inclusive, já existe uma campanha para apresentá-lo como candidato ao prêmio Nobel da Paz. A equipe de advogados que o defendeu, porém, não tentou argumentar que seu cliente agiu como herói. O mostraram como uma pessoa iludida e “um jovem capaz de se redimir”.
“Talvez seu maior crime tenha sido se comover diante da perda de vidas que observava e que não podia ignorar”, disse nas audiências o advogado Coombs, que continuará com sua defesa. Em seu depoimento, Manning disse estar arrependido. “Peço perdão por minhas ações que causaram danos a outros. Lamento ter ferido os Estados Unidos. Vendo as coisas por outra perspectiva, deveria ter trabalhado mais agressivamente dentro do sistema. Eu tinha opções e deveria tê-las empregado”, declarou à juíza.
A promotoria argumentou que os vazamentos fortaleceram os inimigos dos Estados Unidos e puseram em perigo as vidas de soldados e diplomatas deste país no exterior. “Não deve haver outro soldado na história do exército que tenha mostrado tamanho desprezo por seu dever”, disse o promotor militar Joe Morrow. A promotoria havia acusado Manning de “ajudar o inimigo”, um crime punido com prisão perpétua e que poderia criar um precedente extremo quanto a castigos para vazamentos de informações. A juíza não o considerou culpado de ajudar o inimigo, mas há quem acredite que seu caso está destinado a servir de advertência a futuros informantes.
“O tratamento que lhe foi dado esteve concebido como um sinal para aqueles que, dentro do governo dos Estados Unidos, se guiarem por sua consciência e tentarem denunciar qualquer crime”, disse o fundador do Wikileaks, Julian Assange. “O governo de Obama está demonstrando que não há lugar no sistema para pessoas com consciência e princípios”, destacou. Envolverde/IPS