Cidade do México, México, 8/10/2013 – O Acordo de Associação Transpacífico (TPP), cuja negociação deve ser concluída este ano, poderia impulsionar a pesquisa de novos remédios e melhorar o acesso a medicamentos. Mas, não é assim. “O sistema de saúde atual está chegando ao seu limite. Está fracassando para pacientes com doenças raras, por exemplo”, afirmou à IPS a espanhola Judit Rius, diretora nos Estados Unidos da campanha de acesso a medicamentos da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF).
“Por isso, o TPP pode ser uma ferramenta para promover a saúde, melhorar a inovação e o acesso, em lugar de impulsionar sistemas falidos e caros baseados em patentes monopólicas”, explicou Rius. Esse acordo de livre comércio entrou em vigor, em janeiro de 2006, para Brunei, Chile, Nova Zelândia e Cingapura. Outro oito países se somaram em seguida e negociam sua incorporação: Austrália, Canadá, Estados Unidos, Japão, Malásia, México, Peru e Vietnã.
Dos 29 parágrafos em negociação, os de propriedade intelectual, investimentos e compras contêm propostas, impulsionadas principalmente pelos Estados Unidos, para limitar o desenvolvimento de remédios genéricos, vendidos com o nome de seu princípio ativo e que podem ser elaborados uma vez vencida a patente do medicamento original de marca.
Por serem baratos, os genéricos são essenciais para o combate de doenças, sobretudo em países pobres e em desenvolvimento. Segundo Rius, as propostas do TPP que vazaram para a imprensa “atrasam e são um obstáculo à competição de medicamentos genéricos, prejudicando a redução de preços” obtida nos últimos anos. “Os mais afetados seriam os pacientes, as organizações provedoras, os ministérios de Saúde e Economia, os países em desenvolvimento e as empresas que produzem genéricos”, acrescentou.
Esses laboratórios estão preocupados. O acordo “pode levar a um prolongamento das patentes e impedir o acesso a medicamentos”, indicou à IPS o advogado José Luis Cárdenas, assessor da diretoria da Associação Industrial de Laboratórios Farmacêuticos do Chile. “Não é realista pensar que os países em desenvolvimento investirão em pesquisa e desenvolvimento para produzir novas moléculas”, diante da capacidade de investimento que possuem as corporações transnacionais, ressaltou.
Já aconteceram 19 rodadas de negociação, a última em Brunei, entre 23 e 30 de agosto. A partir de então, as discussões já não são gerais, mas temáticas. As 29 mesas de trabalho examinam assuntos como agricultura, propriedade intelectual, meio ambiente, serviços, telecomunicações e investimentos, entre outros.
As patentes farmacêuticas têm proteção de 20 anos, segundo o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (Adpic), adotado em 1994, no contexto da criação da Organização Mundial do Comércio. Contudo, em 2001, a OMC reconheceu que os países têm direito a priorizar a saúde pública diante de emergências nacionais e também podem, nesses casos, emitir licenças obrigatórias inclusive durante a vigência de uma patente farmacêutica.
Washington propõe que o TPP estenda por cinco anos as patentes de medicamentos químicos e por 12 as dos biotecnológicos, que tratam doenças como câncer, diabete e hepatite. Também insiste em impor a exclusividade dos dados de testes clínicos, que impediria os laboratórios de genéricos e biocomparáveis de entrarem no mercado uma vez expirada a patente, e na polêmica introdução de novas patentes para um mesmo remédio (evergreening).
Outras medidas sobre a mesa são a imposição de patentes a procedimentos diagnósticos, terapêuticos e clínicos e a criação de um tribunal supranacional para entendimento nos casos de disputas entre os Estados e as corporações. Esse conjunto de iniciativas “afeta o acesso a medicamentos pelos setores menos favorecidos do México”, porque tem implicações “na qualidade, segurança e efetividade dos remédios”, disse à IPS o especialista Gustavo Alcaraz, da Associação Mexicana de Fabricantes de Medicamentos.
Alcaraz integra o Cuarto de Junto, um grupo de delegados empresariais aos quais o Ministério da Economia permite monitorar as negociações, mas obrigando-os a assinar um acordo de confidencialidade sobre seu conteúdo e impedindo que façam anotações sobre os documentos em debate. Esse sincretismo impede que a sociedade civil, a academia e os usuários da saúde possam ter acesso ao que se negocia e expressar seus pontos de vista.
O MSF pediu aos governos para não assinarem acordos contrários à saúde pública. De fato, a campanha já tem anos. Especialistas e organizações não governamentais solicitaram, em 2011, ao relator especial das Nações Unidas sobre o Direito à Saúde, Anand Grover, que interviesse mediante um chamado urgente aos governos vinculados ao TPP. Em resposta, Grover enviou uma carta às autoridades nacionais. Somente Austrália, Chile e Nova Zelândia responderam, defendendo o segredo e assegurando que o direito à saúde seria respeitado.
Os efeitos de proteções exageradas à propriedade intelectual na saúde são estudados. Uma pesquisa publicada em 2009 pela revista HealthAffairs mostra que “as regras de propriedade intelectual do Tratado de Livre Comércio entre Estados Unidos, América Central e República Dominicana (DR-Cafta) sobre exclusividade de dados e patentes são responsáveis pela saída de vários medicamentos genéricos de baixo custo do mercado da Guatemala e da negativa de entrada a vários outros”.
O Tratado de Livre Comércio dos Estados Unidos e da Jordânia fez os preços dos remédios nesse país do Oriente Médio “subirem 20% desde 2001”, segundo um informe divulgado em 2007 pela organização Oxfam. “Os preços maiores ameaçam a sustentabilidade financeira dos programas de saúde pública” na Jordânia, acrescenta o texto. Os detalhes do acordo estão sobre a mesa na cúpula anual do Fórum de Cooperação Econômica Ásia Pacífico, que começou ontem e termina hoje na ilha de Bali, na Indonésia.
Após uma reunião do TPP sobre propriedade intelectual, realizada no México entre 23 de setembro e 2 de outubro, Estados Unidos e Japão consideraram propor que a extensão dos prazos para as patentes medicinais seja aplicada aos países desenvolvidos, permitindo períodos mais curtos para nações em desenvolvimento, como Malásia e Vietnã. Envolverde/IPS