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Camponesas marcam o passo. O mundo as seguirá? – Parte 1

Camponesas limpam um terreno abandonado por causa da seca na aldeia de Nachol, norte de Bangladesh. Foto: Naimul Haq/IPS

Anantapur, Índia/Barind Tract, Bangladesh, 1/3/2012 – A agricultura é o sustento de aproximadamente 1,3 bilhão de pequenos agricultores e trabalhadores sem terra no mundo, e 43% são mulheres. A grande maioria dessas 560 milhões de mulheres vive no limite, e até as menores mudanças ambientais podem levá-las à fome crônica e à miséria. Diante das consequências sem precedentes da mudança climática, como a generalizada insegurança alimentar de 2011 e este ano em várias regiões do mundo, as camponesas são extremamente vulneráveis e ignoradas por seus governos e outras autoridades encarregadas de desenhar estratégias para erradicar a fome e a pobreza.

Neste contexto, a 56ª sessão da Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher (CSW), que está reunida desde 27 de fevereiro, até 9 de março, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, colocou como prioridade o poder das camponesas. Se elas tivessem acesso igualitário aos insumos, seu rendimento aumentaria entre 20% e 30%, e se elevaria a produção agrícola do Sul em desenvolvimento de tal modo que entre cem milhões e 150 milhões de pessoas deixariam de passar fome, diz um comunicado de imprensa divulgado no dia 23 pela ONU Mulheres.

Este ano, a CSW se propôs a analisar “o poder de mulheres rurais e seu papel na erradicação da pobreza e da fome, no desenvolvimento sustentável e nos desafios atuais, e acordará medidas urgentes para marcar uma diferença na vida de milhões de camponesas”.

Mosammet Rini-Ara Begum mostra orgulhosa uma quantidade de arroz guardada em uma cobertura de lata provisória no jardim de sua casa, na região árida de Barind Tract, em Bangladesh. “É a terceira vez que tenho uma colheita tão boa, apesar da seca”, diz esta mulher de 34 anos e mãe de três filhos, enquanto abre a cerca de bambu de seu pequeno depósito e os grãos de arroz brilham ao Sol. Há vários anos, milhares de agricultores desta região de 7.500 quilômetros quadrados abandonaram a produção, especialmente de arroz e trigo, devido ao calor e às secas incomuns.

Assessorados por especialistas em cultivos resistentes a estas condições climáticas, Rini e seu marido cultivaram uma nova variedade, conhecida como BRRI-56, que tolera bem o excesso de calor e a escassez de água. Ao contrário de outras variedades que precisam de chuva imediata após serem plantadas, a BRRI-56 cresce sem água durante várias semanas. Também sobrevive ao calor excessivo, que nesta região costuma chegar aos 50 graus entre julho e novembro, quando o grão amadurece.

“Oferecemos todo tipo de apoio aos agricultores, especialmente às mulheres pobres, que costumam precisar de assessoria profissional e demonstração dos êxitos obtidos por seus pares”, explicou Mujibor Rahman, líder do Clube de Gestão Integrada de Pesticidas, uma rede de agricultores locais do distrito de Chapainawabganj, em Bangladesh. “Há riscos meteorológicos quando se cultiva em condições extremas. Porém, como temos suficiente conhecimento em matéria de adaptação, estamos prontas para assumir o desafio”, declarou à IPS a agricultora Joynab Banu, de 32 anos, do distrito de Rajshahi.

A agricultura representa 36% do produto interno bruto de Bangladesh e emprega cerca de 60% da força de trabalho. O arroz cobre 75% das terras agrícolas do país. Com maior consciência sobre a resiliência climática, mais mulheres, em especial camponesas sem terra, viúvas, divorciadas e outras em situação de isolamento no noroeste de Bangladesh, trabalham em terras abandonadas para contribuir com a produção e segurança alimentar.

A região de Anantapur, no Estado indiano de Andhra Pradesh, é árida, carece de árvores e tem um pobre solo vermelho. A escassez de chuva, cerca de 553 milímetros por ano, a converte no segundo distrito do país mais vulnerável a secas. As imprevisíveis chuvas de monção, por um lado, e a escassez de chuva, por outro, atribuídas a mudança climática, deixaram más colheitas ano após ano, e no começo de 2000 eram milhares os agricultores endividados que haviam se suicidado.

O desespero e a crescente produção por contrato entre produtores e agroempresas levaram a uma dependência insustentável de fertilizantes químicos, criando solos cada vez mais necessitados de água, um recurso escasso, e disparando os custos de produção.  Entretanto, na localidade de Singanamala, subdivisão administrativa de Anantapur, camponesas como Ramadevi, de 41 anos, Lingamma, de 38, e Katamayya, de 41, decidiram voltar aos pesticidas e fertilizantes orgânicos e, desde então, fizeram grande economia.

Nagamanamma, de 31 anos, também passou para a agricultura orgânica em 2009 em terras arrendadas que não chegam a um hectare. “Optei pela orgânica por uma razão: exige trabalho familiar e não o tipo de investimento que demanda o cultivo com químicos”, explicou à IPS. No primeiro ano aumentou sua produção de amendoim, plantada na metade do terreno, de sete para 15 sacas de 42 quilos, e reduziu seus custos de US$ 40 para US$ 12.

Nesta região são comuns os ataques de lagartas vermelhas peludas nas plantações de melancia, colocadas junto às de amendoins. Antes, as mulheres tinham de pagar US$ 40 por uma dose de 80 milímetros de um pesticida químico concentrado, mas os insumos orgânicos reduziram o custo para menos de um décimo. Com sementes de nim, coletada na selva vizinha, é elaborado um pesticida que custa apenas US$ 10 o saco de 50 quilos.

Os benefícios da agricultura orgânica chegaram até aos camponeses sem terra. Um grupo de coletores, pequenos agricultores e mulheres de dez aldeias vizinhas mantém a Cooperativa de Produtores de Singanamala, que prepara pesticidas orgânicos. Com ajuda de uma organização não governamental, instalaram uma máquina de pulverizar as sementes. Antes, os comerciantes locais exploravam as coletoras de sementes, mas agora dividem os benefícios de forma equitativa. As mulheres lideram a marcha para um futuro orgânico mais justo. A pergunta para os governos e a comunidade internacional, incluída a CSW, é se o mundo as seguirá, ou não. Envolverde/IPS

* Com as colaborações de Naimul Haq (Barind Tract, Bangladesh) e Manipadma Jena (Anantapur, Índia).

** Este é o primeiro de dois artigos sobre mulheres rurais, mudança climática e segurança alimentar.