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Camponesas marcam o passo. O mundo as seguirá? – Parte 2

Uma mulher desmata um campo plantado com gergelim em Equatoria Oriental, no Sudão do Sul. Foto: Charlton Doki/IPS

Mbarara, Uganda, 2/3/2012 – A 56ª sessão da Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher (CSW) acontece na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, tendo por prioridade o poder das camponesas. Segundo comunicado de imprensa divulgado na semana passada pela ONU Mulheres, as camponesas “constituem um quarto da população mundial. Representam uma grande porção da força de trabalho agrícola, produzem a maior parte dos alimentos cultivados, especialmente na agricultura de subsistência, e realizam a maior parte do trabalho de cuidado não pago nas áreas rurais”.

Entretanto, “o sustento e o bem-estar das mulheres e meninas rurais estão diretamente relacionados com o ambiente em que vivem”, explicou à IPS a subsecreetária-geral e diretora executiva adjunta da ONU Mulheres, Lakshmi Puri. “Em muitos países, as mulheres e meninas rurais são diretamente impactadas pelos efeitos da mudança climática. Ao longo da CSW (que se reúne desde 27 de fevereiro até o dia 9) ouviremos mulheres rurais de todos os continentes sobre as formas como são impactadas pela mudança climática”, acrescentou Puri, lembrando que o objetivo é “amplificar suas vozes para que possam ser ouvidas pelos líderes mundiais”.

Enquanto acontece a conferência em Nova York, as mulheres no Sul global se encontram no olho da tempestade, ocupadas em empregar uma combinação de técnicas tradicionais e tecnologias agrícolas de adaptação para enfrentar os efeitos do aquecimento do planeta. Winfred Baryabamu, agricultora do distrito ugandense de Mbarara, passou meses economizando dinheiro duramente para comprar o tesouro que guarda atrás de sua casa de teto de zinco: um tanque que usa para coletar água de chuva durante a estação úmida.

Esta camponesa de 35 anos também trabalha como professora. Quando chega em casa, enche um tambor com água do tanque, suficiente para preparar a refeição da família e dar de beber às suas cabras. “Antes da construção desse tanque tinha que viajar cinco quilômetros por dia durante a seca para conseguir água”, contou. Agora, Baryabamu integra um grupo de cem mulheres em Mbarara que conseguiram um acesso maior a água durante todo o ano. O tanque foi construído por meio de um fundo comum de poupança que ela e outras mulheres criaram, com apoio da Agência para a Cooperação, Pesquisa e Desenvolvimento (Acord), para enfrentar as secas que esgotam os poços e os mananciais da região.

As mudanças extremas do clima fazem com que as regiões de Uganda propensas às secas sejam mais inseguras do que nunca. Grupos de mulheres colaboraram na construção do tanque, enquanto a Acord comprou materiais como cimento, tela metálica e canos. O encarregado de projetos da Acord no distrito de Mbarara, Dunstan Ddamulira, declarou à IPS que a coleta de água de chuva deu mais segurança às mulheres. “Nossos filhos costumavam vir da escola e ir em busca de água. Só voltavam à noite”, contou Baryabamu à IPS. “Agora chegam da escola para descobrir que a água os espera”, acrescentou.

Por outro lado, no Sudão do Sul, camponesas trabalham com várias organizações não governamentais em cultivos resistentes às variações climáticas, bem como em atividades sustentáveis como a criação de caprinos e apicultura. “São as mulheres que aram a terra, desmatam, semeiam, colhem e vendem o produto no mercado em caso de excedente”, afirmou William Taban, assessor agrícola no Estado de Equatoria Central, no Sudão do Sul.

Com ajuda de organizações e agências internacionais, as mulheres conseguiram formar grupos, “destinados, em sua maioria, a viúvas e famílias lideradas por mulheres, pois acreditamos que são as mais vulneráveis à pobreza e à fome”, explicou Isaac Woja, agente de extensão agrícola em Equatoria Oriental. Alguns dos grupos que colaboram são Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Norwegian People’s Aid, Catholic Relief Services e Concern Worldwide.

As mulheres cultivam alimentos como cereais, leguminosas e verduras para melhorar a nutrição geral de seus filhos e gerar renda no mercado. A maior parte do território do Sudão do Sul é semiárida, e as precipitações são insuficientes. Para mitigar os efeitos da seca na agricultura rural tradicional, as mulheres são estimuladas a cultivar produtos resistentes às secas. “Planto mandioca porque não é afetada pela seca. Pode crescer bem mesmo com pouca chuva. Estou garantida de alimento mesmo quando não chove”, disse à IPS a camponesa Alice Naponi, solteira e com quatro filhos, dona de uma área perto da capital Yuba.

Na maioria das aldeias as mulheres agora plantam cereais como sorgo, junco e milho que, segundo os agricultores, em geral sobrevivem à escassez de chuva e amadurecem rápido. Porém, as mulheres estão seriamente limitadas pelas disparidades de gênero em relação à propriedade da terra. “Se uma mulher quer começar uma grande plantação, ainda tem que apelar para seu marido no sentido de contatar os líderes da comunidade, que são os responsáveis pela concessão da terra aos membros. Na maioria dos casos, eles, que são homens, nos frustram”, lamentou Naponi à IPS.

De fato, a ONU Mulheres reconheceu que, “embora as mulheres tenham iguais direitos de propriedade em 115 países e os mesmos direitos de herança em 93 nações, as disparidades de gênero na terra persistem em todo o mundo”.  Organizações não governamentais no Sudão do Sul estão na vanguarda do apoio às atividades agrícolas, fornecendo equipamento e sementes de variedades melhoradas, importadas da vizinha Uganda.

No entanto, Woja alerta que nem todos os programas de desenvolvimento agrícola são infalíveis. Algumas “sementes melhoradas importadas foram testadas em Uganda mas não no Sudão do Sul. O que estamos aplicando atualmente é um método de teste e erro que não deveria ser estimulado”, afirmou. “Se cultivarmos colheitas que não vão bem aqui e os agricultores fracassarem em determinada temporada, se criará uma situação de insegurança alimentar”, destacou Woja, ressaltando que há um grave problema de planejamento de políticas.

No México, camponesas agrupam-se para lutar contra a crise financeira e ambiental. Em muitos casos, organizações não governamentais locais colaboram com este processo construindo estruturas formais e desenvolvendo capacidades.  “Buscamos mulheres que sejam capazes de produzir em suas próprias hortas, e as ajudamos a conservarem ou venderem suas verduras, começando com uma microempresa”, explicou à IPS a encarregada de produção e comercialização do Consórcio Valor Rural, Magalí Costa.

Cada vez mais as mulheres têm um papel importante nas atividades econômicas, plantando, economizando sementes e vendendo o que produzem, além de continuarem realizando praticamente 100% do trabalho doméstico, que quase nunca é pago. Cerca de 13 milhões de mulheres vivem em zonas rurais no México, segundo o Instituto Nacional das Mulheres. Desde 2008, a pobreza prolifera em todo o país, alcançando 52 milhões de pessoas, afetando principalmente as camponesas. Das 19 milhões de famílias mexicanas, 39% são rurais, e destas 11% chefiadas por mulheres, a maioria pobre.

Isto significa que as mulheres levam, em geral, a carga da escassez de alimentos ou das flutuações dos preços das matérias-primas e também das mudanças no clima, que podem ter efeitos de longo alcance em toda a população rural. Estas estatísticas justificam o poder das camponesas, cuja liderança gera efeitos mais positivos e amplos do que os esforços de comunidades lideradas por homens.

“As mulheres dão mais apoio às famílias. Qualquer apoio que recebam sempre repercute em todos os membros da família”, e eventualmente no resto da comunidade, ressaltou Woja à IPS.  Enquanto acontece a CSW, as mulheres de todo o mundo só podem esperar que os líderes finalmente reconheçam o papel que têm as camponesas nos esforços para um futuro mais estável. Envolverde/IPS

* Com colaborações de Charlton Doki (Juba, Sudão do Sul), Wambi Michael (Mbarara, Uganda) e Emilio Godoy (Cidade do México).

** Este é o segundo de dois artigos sobre mulheres rurais, mudança climática e segurança alimentar.