Capital natural visto com outros olhos

Queda d'água na cidade de Sumbe, na província do Kwanza Sul, em Angola. Foto: Cássia Ayres

Os sucessivos impactos na biodiversidade mundial, causados pela devastação das florestas e da fauna, já oferecem provas de que a economia será duramente afetada nas próximas décadas. A provável escassez de alimentos e água potável, bem como a deterioração das condições de saúde e habitação das populações, tem levado gestores públicos e privados a repensarem o modelo de aproveitamento do capital natural na produção e manutenção de bens tangíveis e intangíveis para os seres humanos.

Até há bem pouco tempo, o capital natural era visto apenas como uma parte da engrenagem que movia a economia. Este recurso unia-se aos outros dois: capital físico (infraestruturas, equipamentos) e capital humano (força de trabalho) formando assim o estoque total de capital, com a diferença de que foi sempre considerado um ativo menos valorativo que os demais. Isso se devia à sua alta disponibilidade em relação à oferta de utilizadores, aliada à visão já ultrapassada da finitude dos mesmos.

A facilidade em obter serviços ecossistêmicos (madeira, água, alimentos, patrimônio genético, regulação climática e biológica, oxigênio) colocava este patrimônio a serviço da economia. Hoje, muito mais do que um fator econômico, a continuidade da provisão destes serviços é responsável pela própria manutenção da vida no planeta. Esta interdependência entre o meio e a geração de bens desfaz o mito do controle e traz o sistema econômico para o seu lugar de origem: no seio do meio ambiente.

Prova disso é a criação de uma área de estudo denominada Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (TEEB), um estudo incorporado ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), financiado pela Comissão Europeia.

O seu objeto é complexo, pois prova que a relação entre ecossistema e satisfação humana não se limita à geração de produtos e serviços básicos para a sobrevivência, mas influencia igualmente as relações humanas com outros fatores do bem-estar, como é o caso da coesão social, habilidade de ajuda mútua e respeito pelas diferenças. Todos estes componentes garantem o clima de paz entre os povos, razão pela qual a conservação dos serviços ecossistêmicos é indispensável para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU.

Diante do papel que o capital natural tem no desenvolvimento sustentável, torna-se necessária uma gestão com vistas à sua proteção e manutenção para as gerações futuras. Segundo os estudos do TEEB, o ponto de partida para os governos deverá ser o conhecimento aprofundado do patrimônio natural e respectiva atribuição de um valor. A partir desta fase, os agentes públicos e privados poderão tomar decisões de forma articulada com o interesse comum, sendo que nas políticas econômicas de exploração dos recursos devem prevalecer preceitos de igualdade, ética e participação social.

Foto: Cássia Ayres

As empresas, por sua vez, precisam estar prontas para rever a condução dos seus negócios, aliando lucros empresariais com as necessidades atuais das sociedades, sendo inclusive um agente da prestação de serviços com base na exploração assistida dos ecossistemas, tendo, nesta via, uma relevante oportunidade de mercado.

Segundo o referido estudo, a organização precisa identificar o seu verdadeiro impacto no meio ambiente e paralelamente avaliar o nível de dependência das suas atividades com os serviços ecossistêmicos.

Acrescento também a importância de tomar a iniciativa de evitar e mitigar riscos ao meio ambiente, ao invés de investir em ações corretivas, bem como incorporar a responsabilidade social corporativa ao redor dos projetos onde a empresa atua, como forma de integração nos diversos skateholders (lideranças tradicionais, membros das comunidades locais e governo), estabelecendo com estes vínculos no processo de tomada de decisões que afetarão as suas próprias vidas.

Alguns exemplos que o estudo ressalta são inspiradores. Em Kampala, Uganda, foi implantada num terreno alagado e sem utilidade uma estação de tratamento de água com custos anuais de US$ 2 milhões, que garantiu água potável à comunidade. Em Quito, no Equador, a população paga uma taxa para conservar aquíferos, tendo em contrapartida como garantia o suprimento necessário de água potável para consumo. Na Nicarágua, Costa Rica e Colômbia, uma variedade de espécies vegetais foi plantada para incrementar a manutenção das pastagens, o que melhorou as condições do solo e permitiu aos fazendeiros manterem o gado numa só área, reduzindo o nível de destruição das florestas vizinhas.

A economia dos ecossistemas e da biodiversidade consiste numa via para o desenvolvimento sustentável e se aplica sobretudo à África, cenário que reúne abundância e oportunidades. As vantagens da valorização do capital natural por governos, empresas e ONGs justificam-se tanto pelos aspectos ambientais quanto pelos fatores sociais e econômicos. Parece que uma das soluções mais próximas pode estar no fato de se olhar para o problema com outros olhos.

* Publicado originalmente no site EcoD.