Nações Unidas, 16/8/2011 – A fome causada por uma seca severa no Chifre da África continua tendo como epicentro a Somália, onde, apesar da ajuda da Organização das Nações Unidas (ONU), a situação de mulheres e crianças continua precária, alertam trabalhadores humanitários. Após a partida da organização rebelde Al Shabaab, apoiada pela rede fundamentalista Al Qaeda, pela primeira vez em cinco anos a ONU conseguiu levar por ar ajuda a Mogadíscio. Porém, a mesma não é suficiente. “Ouvimos relatos muito tristes de mulheres que tiveram de abandonar seus filhos pelo caminho por estarem extremamente fracas para carregá-los”, disse à IPS Andreas Needham, encarregado de informação pública do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) na Somália.
Os últimos acontecimentos em Mogadíscio são “um passo na direção correta”, afirmou Augustine Mahiga, enviada da ONU a esse país, em um comunicado transmitido por correio eletrônico no dia 6. “Persistem perigos reais à segurança, incluídos ataques terroristas, que não devem ser subestimados”, ressaltou. Três áreas mais ao sul da Somália somaram-se à zona da fome, e a ONU alertou que, sem uma intervenção urgente, esse desastre se estenderá a toda essa parte do país. As consequências da seca que afeta a área se aprofundaram pela presença da milícia armada, ativa há quase 20 anos. “Muitas mulheres perderam seus maridos em combate, e agora são viúvas que estão pior do que estavam antes”, disse Needham.
Como declarou à IPS o encarregado de imprensa da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), Matthew Johnson, “na cultura somaliana as mulheres enfrentam a carga extra das expectativas sociais quanto à responsabilidade básica de cuidar e manter suas famílias, especialmente crianças e idosos, o que é uma carga sobre-humana em tempos de escassez e insegurança extremas”. Até agora, esta fome, declarada a pior dos últimos 60 anos na região, matou mais de 29 mil crianças e deixou desnutridas outras 640 mil. Porém, morrer de fome é apenas a ponta do iceberg, um dos muito perigos que mulheres e crianças enfrentam diariamente.
O conflito em torno dos escassos recursos aumenta durante as secas o que coloca mulheres e crianças em maior risco de sofrerem violência sexual, segundo Janusz Czerniejewski, diretor para Quênia e Somália da organização Intersos. “Enquanto fogem da Somália por causa da insegurança, mulheres e crianças atravessam áreas onde circulam grupos armados e bandidos, somente para chegarem a acampamentos lotados e potencialmente perigosos. Os aspectos de proteção desta crise são agudos e constituem uma ameaça mortal. A violência com base no gênero – violações, violência doméstica, mutilação genital feminina – é um problema significativo em todas as partes da Somália”, disse Janusz à IPS.
Um relatório divulgado em julho pelo Comitê Internacional de Resgate mostrou que a violência contra mulheres e meninas é um sério perigo mesmo depois que chegam aos acampamentos, particularmente quando saem para buscar lenha ou usar o mato como latrina. Uma pesquisa da Protection Monitoring Network sobre violência sexual que incluiu 600 casos de violações, concluiu que, após um período de seis meses, 10% das mulheres atacadas se suicidaram e 25% desapareceram. Johnson explicou que, quando muitas mulheres chegam a acampamentos de refugiados, são obrigadas a assumir um papel para o qual não estão culturalmente adaptadas e para cujo desempenho frequentemente não se coloca fé: o de chefes de família na falta do marido.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) atualmente intensifica suas operações para atender as crescentes necessidades humanitárias de crianças e famílias somalianas no acampamento de refugiados de Dadaab, no Quênia, e nas comunidades vizinhas. Diariamente chega a Dadaab uma média de 1,3 mil refugiados somalianos, 80% deles mulheres e crianças. A população total dos três acampamentos instalados na área de Dadaab agora supera as 400 mil pessoas, o que a converte na terceira maior cidade do Quênia.
“Muitas famílias somalianas que fogem para o Quênia pela cidade de Liboi não se dão conta de que devem caminhar outros cem quilômetros antes de chegar ao acampamento de Dadaab”, disse Olivia Yambi, representante do Unicef no Quênia. “A saúde de algumas crianças desnutridas que cruzam por Liboi é tão precária que simplesmente não conseguem esperar chegar ao acampamento para receberem tratamento”, acrescentou.
Por isso, o Unicef aumentou o fornecimento de alimentos terapêuticos prontos para uso em hospitais e centros de estabilização nutricional nos acampamentos de Dadaab, e em comunidades vizinhas que recebem refugiados, para o tratamento da desnutrição em menores de cinco anos. O Unicef enviou remédios aos centros de saúde, incluindo equipamentos suficientes para atender cerca de dez mil pessoas. “Levar as provisões sanitárias e nutricionais para perto da fronteira salvará vidas infantis que de outro modo podem ser perdidas na longa viagem até Dadaab”, disse Yambi.
Cerca de cem mil crianças já foram vacinadas graças ao apoio que o Unicef dá às campanhas integradas de imunização contra o sarampo e a poliomielite em diferentes acampamentos. “Estamos agindo agora porque essas doenças podem se propagar muito rapidamente devido à superlotação nos acampamentos”, disse Ibrahim Conteh, coordenador de emergências do Unicef em Dadaab.
Em matéria de educação, o Unicef pretende construir 146 novos centros de ensino nos arredores dos acampamentos, para poder abrigar mais refugiados. Esta agência da ONU estima que serão necessários quase US$ 315 milhões nos próximos seis meses para incrementar as operações que permitam chegar às crianças das áreas afetadas com ajuda preventiva e de emergência. Envolverde/IPS