Porto Espanha, Trinidad e Tobago, 2/12/2013 – A Comunidade do Caribe (Caricom) suspendeu o processo de entrada da República Dominicana nesse órgão, como castigo pela decisão judicial dominicana que retira a cidadania, de forma retroativa, de milhares de filhos de pais estrangeiros nascidos no país, a maioria haitianos, o que permite a deportação. A medida foi adotada pela Caricom, formada por 15 países, em uma reunião extraordinária nesta cidade, capital de Trinidad e Tobago, no dia 26 de novembro, como resposta à decisão adotada em 23 de setembro pelo Tribunal Constitucional (TC) dominicano.
Em um comunicado, a Caricom diz que a sentença é “discriminatória” e “exclui de forma retroativa milhares de cidadãos dominicanos, majoritariamente de ascendência haitiana”, convertendo-os em apátridas. Uma situação que especialistas temem que gere uma catástrofe humanitária na área. Antes da reunião, o presidente da República Dominicana, Danilo Medina, havia prometido que não haveria deportações em consequência da sentença, com efeitos retroativos a 1929, e que recebeu críticas generalizadas da comunidade internacional.
Entretanto, o presidente do Haiti, Michel Martelly, denunciou que a República Dominicana já deportou 300 pessoas de origem haitiana, “que não conhecem o país, que não têm família no Haiti e que nem mesmo falam o idioma”. Os dois países em conflito pela sentença dividem a ilha La Espanhola. Delegações dos dois governos mantiveram um encontro em Caracas, com a facilitação do governo venezuelano, que terminou no dia 19 de novembro com um acordo em que as duas partes se comprometeram a priorizar o diálogo como forma de superar esse conflito e a manter novo encontro no dia 30.
No entanto, o governo dominicano formalizou no dia 27 sua decisão de não participar dessa segunda reunião, também na Venezuela, depois que Martelly ameaçou cancelar a participação de seu país nas negociações. “Não temos motivo para seguir com as reuniões se eles não apresentam nenhum tipo de ação”, declarou Martelly à IPS. Entre os deportados há crianças, algumas recém-nascidas, acrescentou. Um estudo publicado este ano com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) estima que há 210 mil pessoas de ascendência haitiana nascidas na República Dominicana e mais 34 mil com pais de outras nacionalidades. Os cálculos do governo dominicano são que no país vivem aproximadamente 500 mil pessoas nascidas no Haiti.
A primeira-ministra de Trinidad e Tobago e atual presidente da Caricom, Kamla Persad-Bissessar, se comprometeu na reunião a expor a situação em outros fóruns regionais, como a Associação de Estados do Caribe (AEC) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, para que também adotem medidas contra a sentença. Além disso, uma delegação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) visitará a República Dominicana no começo deste mês em razão desse assunto.
“É especialmente repugnante que a sentença ignore as recomendações feitas em 2005 pela CIDH para que a República Dominicana adaptasse suas leis e práticas de imigração às disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos”, destacou a presidente da Caricom. Para ela, “a sentença também viola as obrigações internacionais da República Dominicana na área de direitos humanos”.
O primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, Ralph Gonsalves, especialmente ativo na rejeição à sentença dominicana e que participou da reunião da Caricom, afirmou que promoverá sanções contra a República Dominicana em outros fóruns regionais. A “diplomacia silenciosa” não teve resultados e “claramente temos que aumentar a aposta para que o governo e a autoridade competente ajam”, ressaltou à IPS, acrescentando que escreveu duas cartas a Medina no sentido de seu país voltar atrás.
No centro da controvérsia está a anulação da cidadania dos filhos de imigrantes haitianos, nascidos em terra dominicana depois de 1929, cujos pais chegaram para trabalhar nas fazendas do país vizinho, mais próspero. Grupos da sociedade civil da região cobraram da Caricom uma atuação contra uma medida que viola convenções de direitos humanos. Organizações caribenhas reunidas na Colômbia no mês passado condenaram a sentença por considerá-la “imoral, injusta e totalmente inaceitável”.
“Um setor marginalizado da população dominicana se converte em mais vulnerável ainda diante dos atos de discriminação e abuso cotidianos pela cor de sua pele e/ou pelo som de seus nomes”, afirmou à IPS o ex-secretário-geral da AEC, Norman Girvan. A Caricom tem a oportunidade de “evitar uma catástrofe humanitária”, acrescentou. Entretanto, o trabalho para que a República Dominicana mitigue as consequências da decisão será árduo, afirmaram especialistas em temas caribenhos de Porto Espanha, recordando que esta ação é o último elo de décadas de tensões culturais e econômicas entre os dois países.
No começo do mês passado, o embaixador da República Dominicana nos Estados Unidos, Aníbal de Castro, destacou, em resposta a um artigo publicado em Porto Espanha, que seu país “não concede a cidadania a todos os nascidos em sua jurisdição. Na verdade, os Estados Unidos são um dos poucos países que mantêm esta prática. Na maioria, a norma é que a cidadania é obtida por origem ou que seja conferida em certas condições”. Castro acrescentou que “desde 1929, a Constituição da República Dominicana estabelece que os filhos de pessoas em trânsito, uma situação jurídica temporária, não têm direito à cidadania dominicana”.
No dia 6 de novembro, centenas de pessoas se manifestaram em São Domingos a favor da sentença e até sugeriram a construção de um muro entre as duas partes da La Espanhola. Emilio Santana, do grupo Guarda Noturna de San Juan, afirmou nessa oportunidade que muitos dominicanos não têm assistência sanitária porque os recursos são usados para ajudar os haitianos. Também pediu que o presidente Medina intervenha para “evitar que, de modo silencioso e maciço, os haitianos se apoderem do território” dominicano. “Me sinto humilhado e indignado, não por meu presidente, mas por essas ONGs que negociam com a pobreza dos haitianos e que são uns destruidores da pátria”, opinou Santana no encontro.
Outro orador, o jurista Juan Manuel Castillo Pantaleón, disse que o Tribunal Constitucional “levantou todos os dominicanos para defenderem como um só homem a soberania nacional”. A sentença é um marco, “porque define claramente quem é dominicano e reafirma as leis e as instituições, tal como previsto na Constituição. A comunidade internacional hipócrita que ofereceu ajuda ao Haiti ficando apenas nas promessas, e em alguns casos roubando, pretende que nós, dominicanos, assumamos um Estado falido”, ressaltou Castillo.
Em seu comunicado, a Caricom exorta a comunidade internacional a pressionar a República Dominicana para que “adote medidas urgentes para garantir que a decisão do TC não seja aplicada. O governo deve demonstrar sua boa fé mediante medidas confiáveis imediatas, como parte de um plano global para resolver a nacionalidade e as questões concomitantes no menor tempo possível”. Envolverde/IPS