O estudante de zootecnia Carlos Demeterco, 24 anos, é um inconformado. Para ele, nenhum interesse individual deve prejudicar o bem coletivo. Desde o primeiro ano na Universidade Federal do Paraná (UFPR), vem participando do movimento estudantil. Esse paranaense de descendência ucraniana (daí seu sobrenome), africana, espanhola e italiana, se orgulha de estar envolvido na luta ambiental e também de ter conhecido nobres militantes, como a jornalista Teresa Urban.
Demeterco é um dos líderes do movimento intitulado Ecoberrantes, que promoveu manifestações de parar o centro de Curitiba. Em uma delas, dois mil estudantes protestaram contra as alterações do Código Florestal.
Ele foi um dos painelistas da Semana Nacional da Mata Atlântica 2011, na mesa sobre Políticas Públicas para Recuperação da Mata Atlântica, e arrancou muitas palmas da plateia. O estudante critica o comportamento das ONGs e dos órgãos de meio ambiente. Confira a seguir uma entrevista exclusiva desse novo ecologista, que expressa um inconformismo difícil de se encontrar em jovens como ele.
De onde surgiu seu interesse pela causa ambiental?
Sempre tive interesse, por uma razão muito simples: toda forma de vida, inclusive a humana, depende e sempre dependerá dos ambientes naturais. Sendo assim, que direito temos de explorá-los de uma maneira absurda, beirando a insanidade? Para quê prejudicar as demais formas de vida?
E isto não se resume simplesmente no interesse pela causa ambiental, pois abrange muito mais pontos do que podemos imaginar. A política de como as coisas funcionam, com pactos efetuados entre os homens e mulheres é um exemplo. Por essas e outras razões, tenho interesse pela causa ambiental. Deve-se pensar e discutir sobre desenvolvimento, sobre qualidade de vida, sobre preservação, sobre produção. Tudo converge para a política.
E sobre a sua luta contra as alterações no Código Florestal?
A proximidade com os demais estudantes envolvidos na luta contra a reforma do Código Florestal acabou por me despertar para aquilo que sempre pensei: lutar por um país novo, de desenvolvimento novo, onde as pessoas não são excluídas do ambiente onde vivem.
Desde junho de 2010, visto a camisa pelo meu país, pelo povo que nele habita, pela minha e pelas futuras gerações. Desde junho de 2010, percebo como os parlamentares perderam o controle de si mesmos e não ouvem a população.
A luta por justiça, a luta pela união das pessoas, das classes, das diferenças, em prol de um bem comum, além da admiração e do respeito enorme pela natureza é que me fizeram traçar esse caminho.
Por que o nome Ecoberrantes?
O nome Ecoberrantes veio em função de duas passeatas organizadas em 2010, que tinham diversas frases de impacto. O slogan “Quem Cala, Consente. Por Isso, Berramos!” traduz nosso objetivo. Já que não somos ouvidos da maneira como deveríamos, berramos! Estamos cansados de assistir as barbáries cometidas contra nosso patrimônio natural, em função de interesses individuais. Não somos institucionalizados, não somos ONG, Oscip, instituto. Somos parte dos movimentos sociais, do movimento estudantil.
Quais as principais ações da sua entidade?
Indignados com a investida contra nosso Código Florestal, resolvemos atuar diretamente com os parlamentares. Pressionar, questionar, cobrar uma posição da parte com relação ao Código. Cobrar um posicionamento e levá-lo ao conhecimento da sociedade, por meio de passeatas, intervenções públicas, campanhas, internet, enfim, todos os meios possíveis. Incitamos a discussão em diversas universidades, locais de formação de opinião.
Nosso objetivo é deixar claro todas as negociações, vergonhas, lutas que cercam o grande centro de negócios formado para destruir o Código Florestal. Mostrar como agem nossos parlamentares. Politizar a sociedade por um tema que sensibiliza a grande maioria massacrante das pessoas: o respeito à natureza. Também participar de eventos, como o que fizemos na Semana Nacional da Mata Atlântica.
Nossa geração está cansada de ouvir sempre a mesma coisa, como: o Estado do Paraná se esforça para preservar as araucárias. Por não acreditar mais nesse tipo de história, por sentirmos vergonha de nossos parlamentares, resolvemos botar a boca no trombone, para que a sociedade saiba realmente o que está sendo feito com nosso maior bem coletivo.
Para você, o que significam as alterações no Código Florestal?
Significam, pura e simplesmente, que o dinheiro fala mais alto nesse país. Deixa claro que os grandes produtores rurais de monoculturas de exportação (soja, café, carne de gado bovino, dentre outras) ganham mares de dinheiro para benefício próprio. Compram qualquer um para que possam ser perdoados pelos crimes ambientais que cometeram desde 1965, ano da aprovação do atual Código Florestal. Estes são os ruralistas, e não os agricultores conscientes, os agricultores familiares.
Significa um descumprimento enorme da legislação, um dos maiores retrocessos da história do país, o total desconhecimento da ligação do ser humano com a natureza, e a falta de respeito à Política Nacional de Mudanças Climáticas. Significam o desrespeito à vontade da população.
E me pergunto, porque estudamos quatro, cinco ou seis anos em uma universidade? Para criar um modelo novo de desenvolvimento, ou para continuar este modelo extrativista, desenfreado, que já provou ser totalmente insustentável? Estudamos tanto para sermos barrados por resoluções dúbias e insanas de nossos parlamentares?
Qual é o principal desafio da atualidade?
Provar que desenvolvimento e progresso não são sinônimos de desmatamento e degradação ambiental. Derrubar a dicotomia entre produção e preservação, pelo simples fato de uma depender da outra.
Desmascarar aqueles que lutam apenas por interesses partidários ou por benefícios individuais dentro de repartições públicas, como o Congresso Nacional.
Quanto à polêmica do Código Florestal, é lutar contra uma poderosa mídia controlada por grandes produtores, lutar contra um parlamento tomado por ruralistas. É esclarecer a sociedade que o Código Florestal atual não deixa 90% dos agricultores na ilegalidade. Quem se colocou na ilegalidade foram os próprios agricultores, simplesmente por descumprirem uma lei federal. Não os pequenos agricultores familiares, pois o próprio Código Florestal e a Lei da Agricultura Familiar, além da Lei da Mata Atlântica, asseguram tratamento diferenciado a essa categoria.
O desafio é também provar que quem mora na cidade não está contra quem mora no campo, como muitos deputados federais ruralistas teimam em dizer, criando uma lacuna entre campo e cidade.
O que você diria para quem não despertou para as questões socioambientais?
O tempo é curto e a natureza já não pode mais esperar. A grande maioria das pessoas ainda não despertou para a problemática socioambiental pois quem manda no país não quer que isto aconteça.
Está na hora das pessoas sentirem orgulho do patrimônio natural brasileiro, de valorizarem aqueles que lutam por um país mais limpo, mais justo e de saberem usar o que se tem de forma inteligente e ainda se juntar a essas pessoas para fazer algo por um Brasil melhor.
O país está longe de erradicar a pobreza. A nossa população sofre com a falta de tantas coisas básicas, entre elas a educação. Então como exigir desse público atitudes e consciência socioambientais?
E para quem já despertou?
Quem já despertou precisa lutar por um entendimento maior da sociedade frente a natureza. Porém, há um ponto delicado. Despertar para a problemática ambiental não é apenas usar sacolas retornáveis e separar o lixo. Muito menos elaborar projetos preservacionistas que despertem intrigas entre instituições públicas e privadas.
Você acha que as instituições que trabalham pelo meio ambiente estão no caminho certo?
Não acredito que estejam. Não se deve generalizar, mas a grande maioria não está. Como não temos uma consciência coletiva sobre a importância dos ambientes naturais e de sua preservação, muitas vezes as instituições não são levadas a sério como deveriam. Com isso, rendem-se a financiamentos públicos e/ou privados para se manterem, ficando de mãos atadas em diversos pontos.
A essência das ONGs parece que foi perdida em meio à crise ambiental. Ou elas se unem de maneira efetiva à sociedade, para criar uma nova percepção coletiva, ou aos financiadores para continuarem funcionando.
A ideia geral dessas organizações pode ser ótima, porém, percebe-se que grandes técnicos, bons profissionais, acabam tendo seus espíritos massacrados pela necessidade do cumprimento de metas estipuladas pelos financiadores de projetos. As medidas tomadas por estas instituições não devem ser tapa-buracos para contemplar o pensamento simplório da ideia de que pelo menos alguém está fazendo alguma coisa. Deve-se lutar por políticas públicas que atendam a população de uma forma real, que contemplem a preservação de forma eficiente, com fiscalização, atendimento aos produtores rurais familiares e ações de educação ambiental.
As empresas precisam de um viés ambiental, pois a palavra sustentabilidade virou moda. Sendo assim, enxergam nas ONGs a oportunidade de cumprir a obrigação e para parecerem ser mais responsáveis perante a sociedade.
E com relação às instituições públicas?
Quando falamos de instituições públicas a coisa fica igual ou pior. Infelizmente, a corrupção atinge esses órgãos, fundados com o intuito de cuidar de nossos ambientes naturais. Os interesses, os acordos desleais, a falta de fiscalização e de preparação acabam tornando esses órgãos sucateados.
Falta investimento, renovação de pessoal e vergonha na cara e seriedade de nossos governantes. Como exemplo, cito o caso do Instituto Ambiental do Paraná, há 20 anos sem abertura de concurso público.
Para finalizar, que mensagem você deixaria?
Posso ter respondido sozinho, mas a essência de todo esse espírito de justiça, de igualdade, de respeito à natureza e à produção alimentar consciente foi construído com o nosso grupo, o Ecoberrantes.
Por isto, tenho orgulho de dizer que há mais de um ano milito ao lado de Bhianca Blanco (Biologia, UFPR), Alberto Netto (Zootecnia, UFPR), Ricardo Borges (Engenharia Florestal, UFPR), Enrico Bosch (Publicidade, OPET), Demian Barcellos (Engenharia Ambiental, PUC-PR), Gustavo Godói (Ciências Sociais, UFPR), Dulce Carvalho (Biologia, PUC-PR), Nicolle Claure (Ensino Médio, Dom Bosco), Teresa Urban (jornalista e militante estudantil durante a ditadura militar), Maria Cecília Bastos (Biologia, PUC-PR).
Temos apoio de diversos outros comprometidos com a questão socioambiental, como Clovis Borges (diretor executivo da SPVS), Mario Mantovani (SOS Mata Atlântica), deputado Dr. Rosinha (PT-PR), vereador Paulo Salamuni (PV-PR), dentre outros, que continuam na luta sem hesitar!
* Silvia Marcuzzo é jornalista e trabalha a temática socioambiental desde 1993. Já transitou em diversos “ecossistemas” e arranjos energéticos do jornalismo. Ao passar por assessorias de ONGs, governos e consultorias para empresas, em Porto Alegre, São Paulo e Brasília, sempre manteve a convicção de que é possível melhorar a relação entre os “ambientes” e a comunicação. Por isto, fundou a ECOnvicta Comunicação para Sustentabilidade.