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Casamento é obstáculo para tratamento de mulheres suazis com HIV

Uma mãe suazi com seu bebê. Em julho, a Suazilândia começará a aplicar a opção B+, mais recente tratamento contra HIV recomendado pela organização Mundial da Saúde para mulheres grávidas. Foto: Mantoe Phakathi/IPS
Uma mãe suazi com seu bebê. Em julho, a Suazilândia começará a aplicar a opção B+, mais recente tratamento contra HIV recomendado pela organização Mundial da Saúde para mulheres grávidas. Foto: Mantoe Phakathi/IPS

 

Mbabane, Suazilândia, 9/6/2014 – Durante meses, Nonkululeko Msibi ficava sem voz cada vez que tentava dar a notícia ao seu marido. Ficou sabendo que tinha HIV aos 16 anos, quando deu à luz sua primeira filha no Hospital do Governo, nesta capital. “Fiquei impactada com a notícia, mas a aceitei”, contou Msibi à IPS. “O mais difícil era contar ao meu marido”, confessou. Seu maior medo era que a pusesse para fora de casa acusando-a de ter introduzido o HIV (vírus causador da aids) na família.

Apesar de receber tratamento com antirretrovirais (ART) desde o nascimento de sua bebê e de viver a dois quilômetros da clínica, onde facilmente podia renovar suas receitas médicas, a menina contraiu HIV, possivelmente através do leite materno. O segundo filho de Msibi também é soropositivo porque a clínica não lhe deu nevirapine, apesar de as enfermeiras saberem que era portadora do HIV. “Não sei porque isso aconteceu”, lamentou.

As terapias antirretrovirais diminuem a carga do vírus no organismo e prolongam a vida.

Mbisi, que nasceu e se criou na zona rural de Motshane, a 15 quilômetros desta capital, abandonou a escola no terceiro grau e se casou aos 15 anos, grávida de cinco meses. Seus pais, que já estavam divorciados, morreram, por isso seu casamento é o mais importante que tem na vida. “Alguém tem de cuidar de você e dos seus filhos, especialmente se não se tem trabalho, como eu”, afirmou. Por isso, quando recebeu o diagnóstico de HIV, sentiu que o mundo vinha abaixo, não disse nada a ninguém nem seguiu o tratamento com antirretrovirais de forma adequada.

O seu está longe de ser um caso isolado. “Percebemos que as mulheres não retornam aos centros de saúde segundo o cronograma estipulado”, disse a pesquisadora Thandeka Dlamini. Ela e outros colegas começaram a analisar o motivo de as mulheres casadas começarem tarde o tratamento ou o abandonarem. O estudo, realizado pelo MarxART, um projeto do Programa Nacional de Aids da Suazilândia (Snap), concluiu que “os diferentes desafios socioculturais que enfrentam as mulheres que começam uma terapia antirretroviral estão por trás de decisões que correspondem a padrões específicos do gênero”.

Esse é um assunto importante porque, a partir de julho, o país lançará a opção B+, mais recente tratamento recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para mulheres grávidas portadoras do HIV, independente da contagem de células CD4, que consiste em fornecer-lhes antirretrovirais por toda a vida. As células CD4 do sistema imunológico são as que lutam contra as infecções no organismo.

Desde o ano passado, administra-se a opção B+ a 600 mulheres como forma de provar a viabilidade, a aceitação e a preparação do sistema de saúde. Logo se estenderá a quatro em cada dez grávidas com HIV. O grupo na faixa etária entre 30 e 34 anos é o que apresenta maior prevalência, mais da metade era portadora do vírus em 2010. As mulheres suazis se preocupam mais com a saúde do que os homens, mas encontram dificuldade para enfrentar o HIV por dinâmicas culturais, concluiu o estudo.

Muitas estão diante do dilema entre obedecer aos seus maridos e atender o pessoal da saúde. Segundo Dlamini, nesse país com uma sociedade conservadora, onde as mulheres foram consideradas inferiores até há pouco tempo, a mulher deve obedecer ao seu marido, mesmo se este se opõe aos antirretrovirais ou se prefere recorrer à medicina tradicional.

O diagnóstico de HIV ameaça a sensação de segurança das mulheres casadas, que temem ser repudiadas por seus maridos ou parentes deles. “A submissão pode acabar em morte, em revolta, na reviravolta da vida, mas coloca em risco a dignidade e o abrigo que se encontra no casamento. Se este fracassa, é uma vergonha”, disse uma mulher casada, de 25 anos, citada no estudo.

A prevalência nacional de HIV é de 26% na faixa etária entre 15 e 49 anos. Além disso, 5.600 mulheres contraíram o vírus em 2013, segundo dados da Organização das Nações Unidas. Dois terços das infecções são detectadas em mulheres de 25 anos ou mais, quando se casam e têm filhos. A Pesquisa de Demografia e Saúde da Suazilândia de 2007 mostra uma alta prevalência do HIV tanto em mulheres casadas quanto solteiras, mas cada grupo enfrenta diferentes opções na hora de seguir um tratamento. As segundas têm poder de decisão, as primeiras não.

A médica Velephi Okello, do Snap, disse que o estudo servirá para fortalecer sua estratégia de comunicação e atenção. “O estudo nos ajuda a entender porque as mulheres abandonam o tratamento ou o iniciam tarde”, destacou.

O Informe Global de 2013 do Programa Conjunto das Nações Unidas Contra o HIV/aids (Onusida) mostra que nove entre dez mulheres suazis seguem o tratamento depois de um ano. Mas para Okello, uma única pessoa que o abandone é muito. “Precisamos compreender as barreiras que enfrentam no âmbito social para ajudá-las a continuar com o tratamento”, ressaltou.

Dlamini recomenda dotar as mulheres casadas de estratégias de negociação, para que possam continuar recebendo antirretrovirais e indagar mais sobre como algumas conseguem contornar essa difícil situação. Uma delas é Msibi, agora com 24 anos, que recebe tratamento junto com seu marido. “Quando minha primeira filha esteve grave, soube que deveria contar minha situação”, recordou a jovem.

Com ajuda do pessoal da saúde conseguiu encontrar sua voz e romper o silêncio. Msibi falou com sua sogra, que já suspeitava que o bebê tinha HIV e um exame confirmou seus temores. “Mas isso me permitiu revelar minha situação ao meu marido. No começo custou a aceitar, mas no final o fez”, contou Msibi. Depois ele se capacitou como assessor para HIV/aids em uma clínica local e agora o casal se ajuda para seguir minuciosamente o tratamento com antirretrovirais. Envolverde/IPS