A ação proposta pelo ministério público do Distrito Federal referentemente à anulação da permissão para permanência e trabalho concedidas a Cesare Battisti no Brasil carece, com o devido respeito, de uma forte miopia. Não se pode, no “tapetão” desconsiderar a decisão principal de indeferimento da extradição. Por outro lado, a interpretação literal, fundamentalista, do Estatuto do Estrangeiro, como ficará demonstrado abaixo, conduz a equívoco.
Sobre o caso Battisti escrevi mais de 100 artigos e todos sabem da minha posição a respeito desse sanguinário e covarde assassino. Mas, e como não sou farsante como Battisti, não posso admitir uma extradição por via oblíqua.
De dez a vinte, a chance não sai do zero sobre a possibilidade jurídica de o sanguinário e dissimulado Cesare Battisti ser deportado ou expulso do Brasil, por força da ação anulatória de visto de permanência proposta pelo ministério público do Distrito Federal e noticiada nos jornais de hoje.
Para o procurador Hélio Heringuer, do ministério público distrital, houve ilegalidade na concessão de autorização de permanência e de trabalho a Cesare Battisti, no Brasil.
A visão ministerial está divorciada do fato principal, ou seja, o Supremo Tribunal Federal entendeu, por unanimidade, caber ao Presidente da República a última palavra sobre a extradição em face de estar em jogo questão de relações internacionais entre estados.
À época, o STF acovardou-se. Havia, corretamente, cassado, por ilegal, o ato do ministro da Justiça Tarso Genro que concedia status de refugiado ao assassino Battisti, com rescisão às decisões dos diversos Tribunais italianos (incluído o Supremo de lá e que se chama Corte de Cassação) e da Corte de Direitos Humanos da União Européia, sediada em Estrasburgo (França). Mais ainda, Genro rasgara o tratado de cooperação judiciária, aprovado pelo Congresso, entre Brasil e Itália. Não bastasse tudo isso, o STF, que havia considerado que a decisão presidencial estaria balizada pelo Tratado, não a cassou apesar de ter sido flagrantemente arbitrária: fala-se em soberania, mas foi totalitária e arbitrária. Imagina-se uma decisão do presidente da República concedendo extradição de brasileiro (a Constituição proíbe) e se dizer que é soberana.
Com efeito. Não se pode, agora, dar as costas à decisão presidencial, ainda que absurda e flagrantemente arbitrária, totalitária: Lula, no último dia do mandato indeferiu o pedido de extradição de Battisti e motivou o afastamento da pretensão italiana no risco de ofensa à integridade corporal e à vida de Battisti dada a “exuberância da democracia italiana”. A essa estultice de Lula, alguns desinformados continuam a chamar de decisão soberana.
O certo é que a Battisti está assegurada a permanência e o trabalho. Não se pode, como pretende o Ministério Público distrital, cassar a decisão administrativa concessiva do “visto”. Uma interpretação contrária significaria, por via oblíqua, cassar-se a decisão de Lula e se abrir caminho à entrega de Battisti à Justiça italiana.
Além do mais, o Estatuto do Estrangeiro é bastante claro. Ele nega a concessão de visto ao estrangeiro condenado em outro país em caso passível de extradição. No caso, Battisti teve a extradição negada. As suas condenações não foram, — ainda que absurdamente–, dadas como válidas para gerar extradição.
Pano Rápido. A ação ministerial não vai prosperar. Não dá prara contrariar a lógica jurídica.
* Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.